Brasileira na Nasa lidera pesquisa que identifica planeta a 26 mil anos-luz da Terra

Astrofísica mineira de 28 anos participou ainda de pesquisa que descobriu primeiro buraco negro isolado

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Washington

No primeiro semestre de 2020, a astrofísica brasileira Stela Ishitani Silva recebeu um alerta em um dos sistemas que usa no trabalho: uma estrela que observava teve um incomum pico de luz.

Era o começo de uma jornada que levaria a mineira de 28 anos que trabalha como pesquisadora da Nasa (a agência espacial dos EUA), a liderar uma pesquisa que descobriu um novo planeta —a pelo menos 26 mil anos-luz da Terra.

A brasileira Stela Ishitani Silva, que trabalha na Nasa
A brasileira Stela Ishitani Silva, que trabalha na Nasa - communications.catholic.edu

O astro foi batizado de MOA-2020-BLG-135Lb —palavrão que ela sabe de cor e salteado, de tanto orgulho que ficou por liderar a pesquisa, que envolveu 36 cientistas de diferentes partes do mundo— e é um exoplaneta, ou seja, um astro que está fora do nosso sistema solar.

Para se ter uma ideia da distância do planeta descoberto por ela, 26 mil anos-luz significa que, caso uma aeronave pudesse viajar à velocidade da luz, ou seja, a 300 mil quilômetros por segundo, demoraria 26 mil anos para viajar da Terra ao astro.

Há quatro anos como pesquisadora assistente do Centro de Voos Espaciais Goddard, laboratório da Nasa em Washington, capital dos EUA, Stela conta que a ideia de trabalhar na famosa agência americana sempre lhe pareceu absurda.

"Quando eu decidi estudar física, minha família brincava: ‘Mas para quê, para trabalhar na Nasa?’ E eu pensava ‘como esse povo é bobo, não é assim, ninguém trabalha na Nasa", diz a pesquisadora, que cumpriu a profecia da família após se graduar em física na UFMG em 2016.

Foi a partir de uma palestra da astrônoma brasileira Duília de Mello, professora da Universidade Católica da América (também em Washington), que Stela descobriu que sim, algumas pessoas trabalhavam na Nasa.

Aprovada no doutorado na mesma Universidade Católica —ela cursou o doutorado simultaneamente com o mestrado, que concluiu em 2019—, ela estuda justamente como facilitar a busca de novos planetas fora do sistema solar por meio da inteligência artificial, automatizando dados de milhões de estrelas observadas.

No caso do MOA-2020-BLG-135Lb, o pico de luz alertado pelo sistema à brasileira indicava que provavelmente acontecia ali um fenômeno chamado lente gravitacional.

"Você já viu aquela figurinha de Whatsapp em que uma pessoa joga uma bola em cima de uma rede, e a rede afunda?" questiona a jovem, quando a reportagem pede que a pesquisadora explique o fenômeno.

O que Stela está tentando explicar é basicamente a teoria da relatividade geral de Albert Einstein, segundo a qual a gravidade de objetos provoca uma curvatura no espaço-tempo. Essa curvatura acaba funcionando como uma espécie de lente aumentando a quantidade de luz observada vindo de estrela, como se fosse uma lupa.

Meses de pesquisa depois, ficou claro que o alerta que Stela recebeu de um pico de luz incomum nada mais era do que um planeta passando em frente a estrela, e a distorção no espaço-tempo fez os equipamentos capturarem uma luz muito maior.

"Foi a gravidade do objeto que gerou o efeito de uma lente. Isso permite a gente observar objetos pouco luminosos, que teríamos dificuldade sem conhecer esse fenômeno", explica ela.

A lente gravitacional também facilita a detecção de exoplanetas mais longínquios —a distância do MOA-2020-BLG-135Lb à Terra varia conforme o cálculo utilizado, mas está entre 25,8 mil anos-luz e 27,1 mil anos luz.

Os primeiros exoplanetas foram descobertos no começo dos anos 1990, e hoje a Nasa registra 5.071 astros do tipo, além de ter mais 8.870 candidatos, que ainda não foram confirmados.

Há diferentes tipos deles. O planeta descoberto por Stela é da classe Netuno, por ter tamanho similar ao do planeta do sistema solar. Enquanto Netuno tem 17,1 vezes a massa da Terra, o exoplaneta identificado pela brasileira tem entre 11,3 e 25 vezes a massa da Terra. Planetas do tipo em geral têm atmosferas dominadas por hidrogênio e hélio com núcleos ou rochas e metais mais pesados.

Este é o primeiro exoplaneta descoberto numa pesquisa liderada por Stela, mas a brasileira já participou da identificação de uma série de outros astros com o grupo de pesquisa do qual faz parte, o MOA (Microlensing Observations in Astrophysics Collaboration), que reúne cientistas nos EUA, Japão e Nova Zelândia.

Além de planetas distantes, o grupo fez parte da descoberta do primeiro buraco negro isolado —vagando sem interagir com outros objetos— de que se tem notícia, a cerca de 5.000 anos luz da Terra.

Fora do MOA, Stela também participou de um trabalho com outros pesquisadores, a maior parte deles da Nasa, que detectou 181 candidatos a exoplanetas usando inteligência artificial.

Neste caso, o método utilizado para identificar os potenciais planetas não foi a lente gravitacional, mas uma técnica chamada trânsito planetário, uma das formas mais comuns de se encontrar exoplanetas. No caso do trânsito planetário, quando um planeta passa entre sua estrela e o observador, provoca uma espécie de eclipse ao bloquear parte da luz emitida pelo astro. É observando essa queda na quantidade de luz emitida que os astrônomos identificam a possibilidade de um planeta naquela estrela.

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