O que diferencia seu cérebro do de um neandertal?

Pesquisadores descobrem que mutações específicas desenvolveram o lobo frontal nos humanos

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Carl Zimmer
The New York Times

Cientistas descobriram uma falha em nosso DNA que pode ter ajudado a diferenciar a mente de nossos ancestrais daquela dos neandertais e outros parentes já extintos dos humanos.

Segundo um estudo novo publicado na quinta-feira (8) na revista Science, a mutação, que surgiu nas últimas centenas de milhares de anos, promove o desenvolvimento de mais neurônios na parte do cérebro que utilizamos para nossas formas de pensamento mais complexas.

"O que descobrimos é um gene que indubitavelmente contribui para nos tornar humanos", disse um dos autores do estudo, o neurocientista Wieland Huttner, do Instituto Max Planck de Biologia e Genética Celular Molecular, em Dresden, Alemanha.

Ilustração de um cérebro humano
Segundo o estudo, a mutação promove o desenvolvimento de mais neurônios na parte do cérebro que utilizamos para nossas formas de pensamento mais complexas - Pete Linforth por Pixabay

O cérebro humano nos permite fazer coisas que outras espécies vivas não conseguem, tais como usar linguagem complexa e traçar planos complicados para o futuro. Cientistas vêm há décadas comparando a anatomia do cérebro humano à do cérebro de outros mamíferos, para entender como essas faculdades sofisticadas evoluíram.

A característica mais óbvia do cérebro humano é seu tamanho: quatro vezes maior que o dos chimpanzés, nossos parentes vivos mais próximos.

O cérebro humano também possui características anatômicas que o distinguem. A região do córtex logo atrás dos olhos, conhecida como o lobo frontal, é essencial para alguns dos pensamentos mais complexos. De acordo com um estudo de 2018, o lobo frontal humano possui muito mais neurônios que a mesma região dos chimpanzés.

Mas há um problema sério quando se traçam comparações entre humanos e macacos vivos hoje: o ancestral comum mais recente que compartilhamos com os chimpanzés viveu há aproximadamente 7 milhões de anos. Para preencher as incógnitas em relação ao que aconteceu desde então, cientistas têm recorrido a fósseis de nossos ancestrais mais recentes, conhecidos como os hominínios.

Examinando crânios de hominínios, paleoantropólogos descobriram que os cérebros de nossos ancestrais começaram a crescer nitidamente a partir de cerca de 2 milhões de anos atrás. Alcançaram o tamanho do cérebro dos humanos atuais cerca de 600 mil anos atrás. Os neandertais, que estão entre nossos parentes hominínios extintos mais próximos, tinham cérebro tão grande quanto o nosso.

Mas o cérebro dos neandertais era alongado, enquanto o dos humanos tem formato mais esférico. Os cientistas não sabem explicar a causa dessas diferenças. Uma possibilidade é que várias regiões dos cérebros de nossos ancestrais mudaram de tamanho.

Nos últimos anos, neurocientistas começaram a investigar cérebros antigos com uma nova fonte de informação: pedaços de DNA preservados dentro de fósseis de hominínios. Geneticistas reconstruíram genomas inteiros de neandertais e também de seus primeiros orientais, os denisovanos.

Cientistas identificaram diferenças potencialmente cruciais entre nosso genoma e os genomas dos neandertais e denisovanos. O DNA humano contém cerca de 19 mil genes. As proteínas codificadas por esses genes são, na maioria, idênticas aos dos neandertais e denisovanos. Mas pesquisadores encontraram 96 mutações específicas dos humanos que alteraram a estrutura de uma proteína.

Diferença dos esqueletos dos neandertais (à esq.) e do homem moderno em exposição no Museu Americano de História Natural
Diferença dos esqueletos dos neandertais (à esq.) e do homem moderno em exposição no Museu Americano de História Natural - Museu Americano de História Natural - 27.nov.10/Reuters

Em 2017 uma pesquisadora no laboratório de Huttner, Anneline Pinson, estava examinando aquela lista de mutações e notou que uma delas alterou um gene chamado TKTL1. Os cientistas sabem que o TKTL1 se torna ativo no córtex humano em desenvolvimento, especialmente no lobo frontal.

"Sabemos que o lobo frontal é importante para as funções cognitivas", disse Pinson. "Logo, isso foi um bom indício de que poderia ser um candidato interessante."

Pinson e seus colegas conduziram experimen tos iniciais com o TKTL1 em camundongos e furões. Depois de injetar a versão humana do gene nos cérebros em desenvolvimento dos animais, descobriram que isso levou os camundongos e furões a produzir mais neurônios.

Em seguida os cientistas fizeram experimentos com células humanas, usando pedaços de tecido cerebral fetal obtidos com o consentimento de mulheres que fizeram abortos num hospital em Dresden. Pinson utilizou uma tesoura molecular para recortar o gene TKTL1 das células das amostras de tecidos. Sem o gene, o tecido cerebral humano produziu menos das chamadas células progenitoras que dão origem aos neurônios.

Em seu experimento final, os pesquisadores se propuseram a criar um cérebro do tipo neandertal em miniatura. Começaram com uma célula-tronco embrionária humana, editando seu gene TKTL1 de modo que não tivesse mais a mutação humana. Em vez disso, ela carregava a mutação encontrada em nossos parentes, incluindo os neandertais, chimpanzés e outros mamíferos.

Em seguida mergulharam a célula-tronco num banho de substâncias químicas que a induziram a converter-se numa massa de tecido cerebral em desenvolvimento, chamada organoide cerebral. Ela gerou células cerebrais progenitoras, que então produziram um córtex em miniatura composto de camadas de neurônios.

Representação de um neandertal que viveu há 50 mil anos na Europa, presente no Museu da Evolução Humana, em Burgos (ESP)
Representação de um neandertal que viveu há 50 mil anos na Europa, presente no Museu da Evolução Humana, em Burgos (ESP) - Cesar Manso - 10.jun.14/AFP

O organoide cerebral do tipo neandertal produziu menos neurônios que os organoides que continham a versão humana do TKTL1. Esse fato sugere que, quando o gene TKTL1 passou por mutações, nossos ancestrais puderam produzir neurônios adicionais no lobo frontal. Embora essa alteração não tivesse aumentado o tamanho total de nosso cérebro, pode ter reorganizado sua "fiação".

"Isto é realmente uma tour de force", comentou Laurent Nguyen, neurocientista da Universidade de Liège, na Bélgica, e não envolvido com o estudo.

A nova descoberta não significa que o TKTL1 por si só seja o segredo do que nos torna humanos. Outros pesquisadores também estão estudando a lista de 96 mutações que alteraram proteínas e estão conduzindo experimentos próprios com organoides.

Outros membros do laboratório de Huttner divulgaram em julho que duas outras mutações alteram o ritmo da divisão das células cerebrais em desenvolvimento. No ano passado uma equipe de pesquisadores na Universidade da Califórnia San Diego descobriu que outra mutação parece modificar o número de conexões entre os neurônios humanos.

Outras mutações podem acabar revelando também ser importantes para nosso cérebro. Por exemplo, à medida que o córtex se desenvolve, os neurônios individuais precisam migrar para encontrar seu próprio lugar. Nguyen observou que algumas das 96 mutações que ocorrem apenas em humanos alteraram genes que provavelmente estão envolvidos na migração celular. Ele especula que nossas mutações possam fazer nossos neurônios movimentar-se diferentemente dos neurônios do cérebro de um neandertal.

"Não acredito que a história se limite a isto", ele disse. "Acho que são precisos mais estudos para compreender o que nos torna humanos em matéria de desenvolvimento cerebral."

Tradução de Clara Allain

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