Implante de tecido cerebral humano em rato reforça pesquisa sobre doenças psiquiátricas

Experimentos na Universidade Stanford oferecem sistema 'animador' para modelar distúrbios e desenvolvimento neural

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Clive Cookson
Londres | Financial Times

Cientistas que pesquisam maneiras de tratar doenças psiquiátricas implantaram com sucesso tecido cerebral humano em ratos recém-nascidos, no qual cresceram conexões neurais que estimularam a consciência dos roedores sobre o mundo exterior.

Os experimentos na Universidade Stanford, na Califórnia, são as tentativas mais bem-sucedidas de fazer que neurônios humanos prosperem e funcionem dentro do cérebro de animais, após mais de duas décadas de pesquisas em todo o mundo.

Imagem de raio-X de um cérebro
Experimentos com implante de tecido cerebral humano em ratos recém-nascidos busca entender as doenças psiquiátricas no nível biológico para encontrar terapias eficazes - Ramam Oza - 4.ago.2022/Pixabay

Em um teste, as células humanas nos cérebros de ratos tornaram-se eletricamente ativas em sincronia com sopros de ar intermitentes em seus bigodes. Em outro, pulsos de luz azul foram direcionados aos neurônios humanos no cérebro híbrido para treinar os ratos a associar a luz à disponibilidade de água potável.

Depois de duas semanas, a luz dirigida aos neurônios humanos enviou os roedores diretamente para a fonte de água, mostrando que as células implantadas estavam se envolvendo com os circuitos de busca de recompensas dos cérebros dos ratos e influenciando seu comportamento de maneira específica.

"Nossa missão é tentar entender as doenças psiquiátricas no nível biológico, para que possamos encontrar terapias eficazes", disse Sergiu Pașca, líder do projeto e professor de psiquiatria e ciências comportamentais de Stanford.

Madeline Lancaster, líder do grupo do Laboratório de Biologia Molecular MRC em Cambridge, na Grã-Bretanha, que não participou da pesquisa, chamou-o de um sistema "animador" para modelar distúrbios cerebrais e desenvolvimento neural.

A pesquisa foi publicada na quarta-feira (12) na revista Nature.

O trabalho se baseia em mais de uma década de pesquisas sobre organoides do cérebro humano, às vezes chamados de "minicérebros", embora os neurocientistas não gostem do termo.

Essas estruturas cerebrais tridimensionais com alguns milímetros de diâmetro são produzidas a partir de células-tronco derivadas da pele, que são tratadas com um coquetel bioquímico. O organoide se agrega em uma estrutura com muitas características de um cérebro real.

Mas a ausência de um suprimento de sangue ou estímulo sensorial em uma placa de laboratório impede que eles se desenvolvam além de certo ponto. Isso levou a equipe de Stanford a implantar seus organoides em ratos recém-nascidos de uma cepa sem sistema imunológico, o que permitiria que eles crescessem sem rejeição.

As células do cérebro do rato então migraram para o tecido humano, formando vasos sanguíneos e fornecendo nutrientes. Ao mesmo tempo, os organoides formaram conexões com estruturas no cérebro do hospedeiro, incluindo o tálamo, que transmite informações sensoriais ao córtex.

Os cientistas observaram mudanças no comportamento social dos ratos. Talvez surpreendentemente, não houve diferença observável entre animais implantados e controles.

Embora os neurônios humanos preenchessem cerca de 30% de um hemisfério cerebral, eles não produziram melhora nem deterioração na memória e no funcionamento cognitivo dos roedores.

Como um teste da capacidade da tecnologia de mostrar os efeitos moleculares de doenças cerebrais, a equipe fez organoides de pessoas com síndrome de Timothy, uma condição genética rara associada ao autismo e à epilepsia.

Quando um organoide de Timothy foi implantado em um lado do cérebro do rato e um organoide de uma pessoa saudável colocado no outro hemisfério, os pesquisadores descobriram que o primeiro desenvolveu neurônios muito menores e com menos conexões com as células vizinhas.

Pașca disse que sua equipe estava "muito preocupada desde o início com as implicações éticas deste trabalho", com bioeticistas em Stanford e em outros lugares consultados sobre a pesquisa.

Lancaster, que em 2011 criou o primeiro organoide cerebral do mundo, enfatizou que não tinha medo "que os transplantes humanos fizessem o animal se tornar mais humano".

"O tamanho desses transplantes é pequeno e sua organização geral ainda está faltando", disse ela. "Há preocupações mínimas em torno de seu potencial para funções cognitivas superiores.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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