Estudo contesta ideia de que descoberta da agricultura foi um desastre para saúde

Pesquisadores avaliaram estatura média das populações em diferentes regiões do Velho Mundo

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São Carlos (SP)

A ideia de que a descoberta da agricultura e da criação de animais foi um desastre para a saúde da nossa espécie provavelmente é um exagero e não bate com os dados obtidos em diversos lugares do mundo, indica um novo estudo.

A conclusão vem de uma análise das mudanças na estatura que as pessoas tinham ao longo da chamada Revolução Neolítica, como é conhecida a fase da pré-história na qual os seres humanos foram deixando de lado a vida de caçadores-coletores que tinham levado durante centenas de milhares de anos.

A estatura das pessoas costuma ser um bom indicador da saúde geral durante a fase de crescimento, e estudos anteriores indicavam que, durante a Revolução Neolítica, os primeiros agricultores e criadores de animais teriam ficado significativamente mais baixos que seus ancestrais que caçavam e coletavam. Acreditava-se que a culpa seria, em parte, do predomínio de uma dieta menos balanceada, baseada em poucos cereais, como o trigo ou o arroz.

A região de Lambrai, em Minas Gerais, onde produtor rural trabalha na secagem de café especial em sua propriedade
A região de Lambrai, em Minas Gerais, onde produtor rural trabalha na secagem de café especial em sua propriedade - Joel Silva - 12.jul.2022/Folhapress

"O quadro emergente que estamos obtendo a partir de pesquisas recentes é que o impacto da adoção da agricultura é variável de região para região e dependente das condições ambientais e culturais", resume Jay Stock, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá. Stock e seus colegas assinam o novo trabalho sobre o tema, publicado em edição recente da revista especializada PNAS.

O que Stock e companhia fizeram foi reunir os dados mais atualizados sobre a transição do Neolítico e comparar em detalhes o que aconteceu com a estatura média das populações em diferentes regiões do Velho Mundo a partir dos milênios finais do Pleistoceno (popularmente conhecido como Era do Gelo).

Algumas das áreas estudadas são consideradas "centros de origem" do Neolítico, ou seja, regiões onde a prática da agricultura e da criação de animais evoluiu de forma independente. É o caso do Levante (Oriente Médio) e da China.

Em outros lugares, as práticas neolíticas chegaram como itens de exportação, num processo que envolveu tanto a migração dos agricultores originais quanto a adoção dessas tecnologias por parte dos habitantes nativos. Isso vale para a Europa como um todo, onde a Revolução Neolítica se espalhou ao longo de milhares de anos, primeiro no sudeste (Grécia, por exemplo) e por último no noroeste (Escandinávia, Reino Unido e Irlanda).

Por fim, alguns lugares parecem incluir uma mistura de ideias importadas e domesticações locais muito antigas, como o sul da Ásia (Paquistão e Índia) e o Egito.

Nem todas essas regiões contam com um registro suficientemente amplo dos esqueletos antigos de seus habitantes. No entanto, em alguns dos lugares, esses dados vão desde o Pleistoceno até épocas bem mais recentes, como é o caso do Levante.

A nova análise mostra que, no Oriente Médio, a estatura média dos homens já vinha decaindo desde pelo menos 20 mil anos antes do presente, quase 10 mil anos antes da presença da agricultura propriamente dita, enquanto a das mulheres quase não se altera ao longo desse período.

Já na China praticamente não há mudanças tanto entre homens quanto entre mulheres após a adoção de práticas agrícolas. A diminuição de estatura parece um pouco mais clara no sul da Europa e no sul da Ásia, com efeitos semelhantes para homens e mulheres.

Com base nesses dados, a equipe propõe que os efeitos negativos da Revolução Neolítica sobre a saúde foram menores ou inexistentes no caso de populações que desenvolveram sozinhas a agricultura, graças às condições particulares de seu ambiente, e passaram por uma transição gradual e longa de estilos de vida.

A situação mais surpreendente, no entanto, é a da Europa Central e do norte do continente europeu. Ali, o período entre 8.000 mil anos e 4.000 anos atrás é marcado por um aumento considerável da estatura. Com base em dados genéticos e arqueológicos, os pesquisadores propõem que a chave pode ter sido a adoção do consumo de leite e derivados.

De fato, também por volta dessa época, torna-se comum nas populações da região uma pequena alteração no DNA que favorece o consumo de leite após o desmame. Isso acontece por meio da continuidade da produção de uma substância que ajuda a digerir o líquido, a lactase.

Segundo Stock, nada disso significa que o Neolítico foi só flores. "Ainda há boas evidências de um aumento das doenças infecciosas associadas à vida sedentária, bem como um aumento geral nas taxas de fertilidade e no tamanho da população, mas essas tendências não se desenrolam de forma idêntica em todas as circunstâncias", explica. O aumento populacional pode ter exacerbado conflitos entre grupos, por exemplo.

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