Descrição de chapéu The New York Times

Como um sapo transparente esconde seu sangue vermelho de predadores

Mecanismo incomum do anfíbio pode ajudar em pesquisas que previnem coagulação

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Veronique Greenwood
The New York Times

À primeira olhada, talvez você não enxergue a perereca-de-vidro, espécie que habita regiões tropicais, como a Costa Rica. Como o nome sugere, ela é quase transparente. Fora uma mancha verde-limão que tem nas costas, sua pele, os músculos e outros tecidos são transparentes.

Depois, há seus órgãos minúsculos, que parecem flutuar dentro dessa carne translúcida, como um coquetel de frutas claras na gelatina mais estranha que já se viu num galho de árvore.

Por mais útil que a transparência possa ser para escapar de predadores, ela é rara em animais que vivem em terra. Seus corpos estão cheios de substâncias que a luz não consegue penetrar, muitas delas essenciais para a vida.

As pererecas-de-vidro parecem ter desenvolvido versões transparentes de algumas dessas características anatômicas, mas também têm alguns truques para esconder cores persistentes quando estão mais vulneráveis.

Perereca de vidro (Hyalinobatrachium taylori), próximo ao rio Kuribrong, Guiana - Pedro H. Bernardo - 4.dez.10/Folhapress

Em um estudo publicado na revista Science na quinta-feira (22), os pesquisadores relatam que, quando uma perereca-de-vidro adormece, quase todos os seus glóbulos vermelhos se retiram para o fígado. Eles se escondem no órgão e permitem que a perereca alcance quase a invisibilidade enquanto descansa. Além de revelar outra adaptação notável na natureza, a descoberta pode levar a pistas sobre como prevenir coágulos sanguíneos mortais.

Assim como os seres humanos, as pererecas-de-vidro dependem da hemoglobina, uma proteína colorida existente nos glóbulos vermelhos que fornece oxigênio ao corpo. Os biólogos Jesse Delia e Carlos Taboada, autores do novo artigo, passaram muito tempo observando os anfíbios quando perceberam que, às vezes, aquela cor vermelha parecia desaparecer.

"Quando estão acordados, o sistema circulatório fica vermelho", disse Delia, que trabalha no Museu Americano de História Natural de Nova York. "Quando eles estão dormindo, não."

Para onde iam os glóbulos vermelhos?

Para resolver o mistério do desaparecimento das células sanguíneas, os pesquisadores e seus colegas queriam tirar fotos das pererecas sob anestesia —quando as células sanguíneas eram claramente visíveis circulando pelos corpos— e dormindo, quando as células não estavam em lugar nenhum.

Para fazer isso, precisavam encontrar uma maneira de espiar dentro dos órgãos do sapo, que têm um exterior semelhante a um espelho que ajuda o sapo a se disfarçar. Taboada, pesquisador na Universidade Duke, disse que suspeitava que o sangue recuasse para vários órgãos quando não estivesse em circulação.

Os pesquisadores acabaram confiando não na luz, mas no som para mostrar o que havia lá dentro. Eles provocaram as moléculas dentro dos vacúolos (espécie de sacos de transporte de moléculas no interior das células) para liberar ondas ultrassônicas, que puderam ser usadas para identificar o conteúdo.

Assim que compararam as imagens de sapos dormindo e anestesiados, uma grande diferença saltou à vista.

"Todo o sinal vinha do fígado", disse Taboada. Cerca de 89% dos glóbulos vermelhos dos sapos se acumulavam naquele órgão.

Isso fazia sentido: o fígado, que filtra o sangue, é um destino lógico para os glóbulos vermelhos, disse ele.

O mais estranho, e o que os pesquisadores ainda não entenderam, foi como os sapos conseguiram reunir todas essas células sem morrer de coágulos sanguíneos. Na maioria dos vertebrados, quando as células sanguíneas se chocam, provocam coagulação.

O coágulo resultante pode formar uma crosta para selar uma ferida —ou, se o coágulo estiver num vaso sanguíneo, pode obstruir o sistema circulatório e matar a criatura. Nos Estados Unidos, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), cerca de 100 mil pessoas morrem por coágulos sanguíneos a cada ano.

As pererecas-de-vidro podem controlar quando o sangue coagula, sugere a nova pesquisa. Se estiverem feridos, formarão uma crosta da maneira habitual. Mas quando estão dormindo, com os glóbulos vermelhos apertados como sardinhas no fígado, nenhum coágulo se forma.

A descoberta sugere que as pererecas-de-vidro podem ter algo a nos ensinar sobre como evitar a formação de coágulos em nossos corpos. Se pesquisas futuras puderem esclarecer o que mantém os sapos vivos, poderão levar a tratamentos para reduzir as mortes por coágulos em humanos.

Mais imediatamente, disseram os pesquisadores, os resultados levantaram outras questões. Se 89% das células que transportam oxigênio estão escondidas no fígado enquanto a perereca dorme, como ela respira? Eles se perguntam se as pererecas podem mudar seus metabolismos para um modo que quase não requer oxigênio, talvez semelhante ao que outros sapos fazem quando hibernam.

O novo artigo é apenas o começo dessa linha de pesquisa. A equipe já aprimorou suas técnicas de imagem para escanear os anfíbios mais rapidamente e revelar outras substâncias além do sangue conforme se movimentam nas criaturas.

"Estamos no laboratório agora", disse Delia durante entrevista por telefone. "Existe literalmente uma perereca sendo escaneada agora no sistema. Preciso verificar isso daqui a pouco."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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