Batimentos cardíacos podem moldar nossa percepção do tempo

Novo estudo da Universidade Cornell se concentra em como apreendemos a passagem de microssegundos

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Ellen Barry
The New York Times

É uma verdade incontestável que o tempo parece se expandir ou contrair dependendo das circunstâncias em que nos encontramos: quando estamos num estado de terror, os segundos parecem se prolongar. Um dia passado em isolamento pode demorar a passar. Quando estamos tentando cumprir um prazo, as horas passam correndo.

Um estudo publicado neste mês por psicólogos da Universidade Cornell no periódico Psychophysiology constatou que, quando observadas ao nível dos microssegundos, algumas dessas distorções podem ser provocadas pelos batimentos cardíacos, cujo tempo de duração varia de momento a momento.

Escultura de Armand Pierre Fernandez (1928-2005) em frente à estação Saint-Lazare, em Paris
Escultura de Armand Pierre Fernandez (1928-2005) em frente à estação Saint-Lazare, em Paris - Christian Hartmann - 29.mar.19/Reuters

Psicólogos fizeram eletrocardiogramas de universitários para medir com precisão a duração de cada batimento cardíaco e depois pediram que eles estimassem a duração de tons breves de áudio. Descobriram que após um intervalo mais longo de batimento cardíaco, os estudantes tendiam a apreender o som como sendo mais curto. Intervalos mais curtos os levavam a avaliar o som como tendo duração menor. Após cada som, os intervalos de batimento cardíaco dos participantes aumentavam.

Uma frequência cardíaca mais baixa pareceu ajudar com a percepção, disse Saeedeh Sadeghi, doutoranda da Universidade Cornell e autora principal do estudo. "Quando precisamos captar coisas do mundo externo, os batimentos do coração são apreendidos pelo córtex como ruído", ela disse. "É mais fácil apreender coisas que vêm de fora quando o coração está em silêncio."

Após uma era de pesquisas que enfocaram o cérebro, o estudo traz mais evidências de que, segundo Sadeghi, não existe uma parte isolada do cérebro ou do corpo que marca o tempo —é toda uma rede. "O cérebro controla o coração, e o coração, por sua vez, impacta o cérebro."

O interesse pela percepção do tempo aumentou muito desde a pandemia de Covid, quando as atividades fora de casa cessaram repentinamente para muitos, e pessoas em todo o mundo tiveram que encarar longos períodos de tempo indiferenciado.

Nossa experiência do tempo é afetada de formas que, de modo geral, espelham nosso bem-estar

Ruth S. Ogden

Professora de psicologia na Universidade Liverpool John Moores

Um estudo da percepção do tempo conduzido no primeiro ano do lockdown no Reino Unido revelou que 80% dos participantes relataram distorções do tempo em diferentes direções. De modo geral, as pessoas mais velhas e socialmente isoladas relataram que o tempo passou mais devagar, enquanto as mais jovens e mais ativas disseram que o tempo se acelerou.

"Nossa experiência do tempo é afetada de formas que, de modo geral, espelham nosso bem-estar", disse Ruth S. Ogden, professora de psicologia na Universidade Liverpool John Moores e autora do estudo sobre o lockdown. "Pessoas com depressão sentem o tempo passando mais devagar, e essa desaceleração do tempo é sentida como um fator que agrava a depressão."

O novo estudo da Universidade Cornell enfoca algo diferente: como apreendemos a passagem de microssegundos. A compreensão desses mecanismos pode nos ajudar a controlar o trauma, em que experiências instantâneas são lembradas como tendo durado mais tempo, disse Ogden.

Segundo ela, quando nosso cérebro tenta avaliar a importância de uma experiência vivida, "ele olha para trás e pergunta: ‘Quantas memórias criamos?’". E acrescentou: "Quando você tem uma memória realmente forte, mais densa do que normalmente teria de um período de 15 minutos de sua vida, isso vai enganá-lo e fazer com que pense que demorou mais tempo."

Ilustração de uma ampulheta onde corações minúsculos ocupam o lugar da areia
Pesquisadores sabem há muito tempo que nosso cérebro controla a sensação de tempo; o novo estudo sugere que o coração tem um papel importante nisso - Simone Noronha/NYT

Até recentemente as pesquisas sobre a percepção do tempo se concentraram em áreas do cérebro, disse Hugo Critchley, professor de psiquiatria na Brighton and Sussex Medical School e estudioso de como os batimentos cardíacos afetam a memória de palavras e as respostas ao medo.

"Acho que existe uma apreciação muito maior de que as funções cognitivas estão intimamente ligadas ao controle do corpo, possivelmente estão fundamentadas nele, enquanto a maior parte das teorias psicológicas até os anos 1990 desprezava o corpo como sendo algo controlado ao nível do tronco cerebral", disse Critchley, que não participou do estudo da Universidade Cornell sobre batimentos cardíacos.

Pesquisas anteriores investigaram como o estado de alerta físico está ligado ao processamento do estresse e a estados emocionais como ansiedade e pânico, disse Critchley. O novo estudo expande isso ao enfocar o papel do coração numa função não emocional, a percepção do tempo, que pode ser ligada a distorções maiores no pensamento.

"Não se pode analisar a função cognitiva de modo isolado", ele disse. "Mesmo entendendo como o cérebro se desenvolve e começa a representar estados mentais interiores, as pessoas ainda olham para a primazia da informação interna inescapável que você precisa controlar para continuar vivo."

Uma razão por que o corpo pode estar intimamente envolvido com a percepção do tempo é que o tempo está estreitamente ligado às necessidades metabólicas, disse o professor de psicologia Adam K. Anderson, da Universidade Cornell, coautor do novo estudo.

"O tempo é um recurso", disse Anderson. "Se o corpo é uma bateria ou um tanque de combustível, ele está tentando perguntar nesse momento: ‘Quanta energia ainda temos?’ Vamos tentar fazer as coisas parecerem mais curtas ou mais demoradas em termos temporais, com base na quantidade de energia corporal da qual dispomos."

Tradução de Clara Allain

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