São Paulo terá novos laboratórios de pesquisa franceses em áreas estratégicas

O Brasil e a França estão estreitando a histórica parceria acadêmica que mantêm desde a fundação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934, por uma missão francesa

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Adriana Moysés
RFI

Desde o início da semana, uma delegação composta pelo secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, Vahan Agopyan, o presidente da Fapesp, Marco Antonio Zago, o reitor da USP (Universidade de São Paulo), Carlos Gilberto Carlotti Junior, e assessores visitam universidades e centros de pesquisa franceses de alto interesse para a internacionalização das universidades brasileiras.

Esse tipo de viagem, com visitas a laboratórios e acesso a um grande volume de informações sobre o modo de operação de instituições estrangeiras, permite aos decisores brasileiros selecionar as parcerias mais vantajosas para o país. Uma delas se concretiza nesta sexta-feira (31) com a assinatura do convênio com o Instituto Pasteur de Paris, especializado no estudo de doenças infecciosas.

"Existe um laboratório do Pasteur já instalado na universidade que nós chamávamos de plataforma e agora vai se transformar num instituto dentro da rede do Instituto Pasteur francês, através de uma associação com a USP", explica o reitor Carlos Carlotti, médico e professor de neurocirurgia. Atualmente, a colaboração entre as duas instituições gira em torno de R$ 30 milhões por ano, montante que será incrementado com a criação do instituto.

Prédio do Inova USP, parceria dos laboratórios Pasteur com a Universidade de São Paulo; com novo acordo, São Paulo terá um laboratório francês oficial
Prédio do Inova USP, parceria dos laboratórios Pasteur com a Universidade de São Paulo; com novo acordo, São Paulo terá um laboratório francês oficial - Marcos Santos - 1º.jul.19/USP Imagens

O foco da nova estrutura será o estudo de novas viroses e a identificação de futuras pandemias. O Instituto Butantan e a Fiocruz entram na rede como instituições parceiras nas pesquisas. Na Amazônia, por exemplo, existe uma quantidade importante de arbovírus —mesma categoria dos vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela— que ainda são pouco conhecidos dos cientistas.

"Quando essas pandemias ocorrerem, nós teremos condições de identificar rapidamente os vírus e fazer estudos sobre a viabilidade de tratamento e desenvolvimento de vacinas", explica o reitor da USP. "Faz parte termos um grande instituto na América do Sul para fazer esse tipo de abordagem", afirma Carlotti. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, participará na sexta-feira da assinatura do convênio na sede do Instituto Pasteur em Paris.

O segundo projeto que vai ampliar o intercâmbio científico de excelência em São Paulo envolve a criação de um laboratório do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica francês) dentro da USP. Serão de três a cinco áreas de pesquisa, estruturadas em grandes laboratórios, que devem corresponder a especialidades do CNRS.

"Certamente, um desses laboratórios que nós teremos será sobre humanidades", diz Carlotti. O meio ambiente, que é uma preocupação comum tanto da França quanto no Brasil, deve estar representado numa unidade de pesquisas sobre a região da Amazônia, a agricultura, o papel da fixação do carbono ou a liberação do carbono na agricultura brasileira. O estudo dos oceanos, principalmente do Atlântico Sul, ainda pouco conhecido, desperta interesse, e ainda poderia associar a Argentina", detalhou o reitor da USP em entrevista à RFI.

Para dar uma ideia da importância desse acordo, o renomado centro de pesquisas tem apenas quatro unidades fora da França: dois laboratórios nos Estados Unidos, um na Inglaterra e um no Japão. "Teremos o quinto no Brasil e isso é uma grande conquista", comemora Carlotti.

França: parceiro preferencial

Em menos de uma semana, a delegação brasileira esteve nas universidades de Lyon, Sorbonne, Paris Ciências e Letras, Paris-Saclay, no Inserm (Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica), na nova Agência de Doenças Infecciosas Emergentes ANRS e no CNRS. Nesta quinta (30), o grupo visitou o hospital Gustave Roussy, em Villejuif, subúrbio ao sul de Paris. Este hospital público centenário acolhe doutorandos brasileiros e hoje é considerado o maior centro de tratamento e pesquisa sobre o câncer da Europa.

Com um orçamento anual de 438 milhões de euros (R$ 2,4 bilhões), mil pesquisadores em tempo integral e 48 mil pacientes atendidos por ano, o centro Gustave Roussy inclui 22% de seus pacientes em protocolos de pesquisa. Dos 14 maiores especialistas franceses em oncologia, 12 são médicos desse estabelecimento e constam na lista dos cientistas mais citados em estudos no mundo.

"A internacionalização da pesquisa num país como o Brasil é imprescindível", afirma o secretário estadual Agopyan, politécnico e ex-reitor da USP. "Nós estamos longe dos grandes centros e temos que tomar muito cuidado para termos uma visão global do que está acontecendo", diz ele. "Ciência, tecnologia e inovação estão hoje internacionalizadas, globalizadas. A melhor maneira de internacionalizar é fazer acordos e trabalhar conjuntamente com as instituições no exterior, não apenas mandar aluno, mandar professor, mandar pesquisador para o exterior, mas trazer pesquisadores para o Brasil", destaca Agopyan. A mobilidade de acadêmicos e cientistas se torna uma consequência disso.

Reitor da USP, Carlos Carlotti está na visita da comitiva de São Paulo às instalações hospitalares francesas
Reitor da USP, Carlos Carlotti está na visita da comitiva de São Paulo às instalações hospitalares francesas - Ronny Santos - 6.set.22/Folhapress

Nesse contexto, a França é um parceiro preferencial do Brasil. "Quando nós olhamos as nossas publicações conjuntas com o mundo, nós temos os Estados Unidos em primeiro lugar, pela força econômica que têm os EUA, mas logo depois, a França. Então, realmente nós temos muito interesse em aumentar o contato com as instituições e universidades francesas", destaca Carlotti, da USP.

Esse ambiente favorável à ciência e tecnologia se deve à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), maior organismo de financiamento da pesquisa no Brasil. A Constituição estadual de 1989 estabelece que 1% de todos os impostos recolhidos sejam direcionados à fundação. As três universidades públicas paulistas —USP, Unicamp e Unesp— também têm o financiamento definido por decreto em 9,57% da receita do ICMS. Em 2022, o organismo de fomento bateu um recorde orçamentário de 17 bilhões de euros (R$ 95 bilhões).

A estabilidade na previsão de recursos dá ao estado de São Paulo segurança para investimentos a longo prazo. Também permite à Fapesp financiar projetos das universidades públicas federais instaladas no estado, assim como instituições privadas. Essas receitas são complementadas por cerca de 7% do orçamento estadual dedicados ao ensino superior, segundo o secretário Agopyan.

Foco em áreas estratégicas

Para o presidente da Fapesp, Marco Antonio Zago, há uma tendência mundial nas agências e organismos de pesquisa de definir alguns temas prioritários que sejam reconhecidos como focos importantes para o desenvolvimento do país onde os recursos estão sendo aplicados.

"Todos os países estão fazendo isto. Em geral, é uma lista pequena de cinco a dez principais tópicos nos quais a agência precisa investir, mas sem abandonar aquela oportunidade que o pesquisador independente tem de ter uma boa ideia e querer testar a boa ideia", diz o experiente hematologista.

Ao visitar o hospital Gustave Roussy, o presidente da Fapesp destacou a importância da pesquisa contra o câncer. "É um dos tópicos mais importantes hoje quando diz respeito à saúde no Brasil. A mortalidade de câncer é hoje uma das mais importantes, senão a mais importante. E o tratamento de câncer exige um contínuo progresso, e a pesquisa pode contribuir para isso. No estado de São Paulo existem muitas entidades que podem trabalhar em projetos comuns, isto é, aqueles que são desenvolvidos ao mesmo tempo por pesquisadores na França e em São Paulo", conclui.

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