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Novo estudo contesta ideia de 'local único de nascimento' do homem moderno

Cientistas sugerem origem a partir de ao menos duas populações que coexistiram na África

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Carl Zimmer
The New York Times

Cientistas revelaram uma origem surpreendentemente complexa de nossa espécie, rejeitando o antigo argumento de que os humanos modernos surgiram em um local da África em determinado período de tempo.

Ao analisar os genomas de 290 pessoas vivas, pesquisadores concluíram que os humanos modernos descendem de pelo menos duas populações que coexistiram na África durante 1 milhão de anos antes de se fundirem em vários eventos independentes em todo o continente. As descobertas foram publicadas na quarta-feira (17) na revista Nature.

"Não existe um local único de nascimento", disse Eleanor Scerri, arqueóloga evolutiva do Instituto Max Planck de Geoarqueologia em Jena, na Alemanha, que não participou do novo estudo. "Isso realmente coloca um prego no caixão dessa ideia."

Paleoantropólogos e geneticistas encontraram evidências que apontam a África como local de origem de nossa espécie. Os fósseis mais antigos que podem pertencer aos humanos modernos, datados de 300 mil anos, foram escavados lá, assim como as ferramentas de pedra mais antigas usadas por nossos ancestrais.

crânio fotografo sobre superfície
Réplica de crânio do homem moderno (Homo sapiens) em laboratório na zona oeste de São Paulo - Jardiel Carvalho - 5.dez.22/Folhapress

O DNA humano também aponta para a África. Os africanos vivos têm uma grande diversidade genética em comparação com outras populações. Isso porque os humanos viveram e evoluíram na África durante milhares de gerações antes que pequenos grupos –com conjuntos genéticos comparativamente pequenos– começassem a se expandir para outros continentes.

Dentro da vasta extensão africana, os pesquisadores propuseram vários lugares como local de nascimento de nossa espécie. Os primeiros fósseis humanoides da Etiópia levaram alguns pesquisadores a olhar para a África Oriental. Mas alguns grupos vivos de pessoas na África do Sul pareciam ser parentes muito distantes de outros africanos, sugerindo que os humanos poderiam ter uma história profunda lá.

Brenna Henn, geneticista da Universidade da Califórnia em Davis, e seus colegas desenvolveram um software para executar simulações em larga escala da história humana. Os pesquisadores criaram muitos cenários de diversas populações existentes na África em diferentes períodos de tempo e depois observaram quais poderiam produzir a diversidade de DNA encontrada nas populações que vivem hoje.

"Poderíamos perguntar que tipos de modelos são realmente plausíveis para o continente africano", disse Henn.

Os pesquisadores analisaram o DNA de vários grupos africanos, incluindo os mende, agricultores que vivem em Serra Leoa, na África Ocidental; os gumuz, grupo descendente de caçadores-coletores da Etiópia; os amhara, grupo de agricultores etíopes; e os nama, caçadores-coletores da África do Sul.

Os pesquisadores compararam o DNA desses africanos com o genoma de uma pessoa da Grã-Bretanha. Eles também analisaram o genoma de um neandertal de 50 mil anos atrás encontrado na Croácia. Pesquisas anteriores descobriram que os humanos modernos e os neandertais compartilhavam um ancestral comum que viveu há 600 mil anos. Os neandertais se expandiram pela Europa e a Ásia, cruzaram com humanos modernos vindos da África e foram extintos há cerca de 40 mil anos.

Os pesquisadores concluíram que 1 milhão de anos atrás os ancestrais de nossa espécie já existiam em duas populações distintas. Henn e seus colegas os chamam de Stem1 e Stem2 (Ramo1 e Ramo2).

Cerca de 600 mil anos atrás, um pequeno grupo de humanos brotou do Stem1 e se tornou os neandertais. Mas o Stem1 resistiu na África por centenas de milhares de anos depois disso, assim como o Stem2.

Se Stem1 e Stem2 estivessem totalmente separados um do outro, teriam acumulado um grande número de mutações distintas em seus DNAs. Em vez disso, Henn e seus colegas descobriram que permaneceram apenas moderadamente diferentes –tão distintos quanto são hoje os europeus e os africanos-ocidentais vivos. Os cientistas concluíram que as pessoas se moveram entre Stem1 e Stem2, formando pares para ter filhos e misturando seu DNA.

O modelo não revela onde as populações de Stem1 e Stem2 viveram na África. E é possível que bandos desses dois grupos tenham se movimentado bastante ao longo dos vastos períodos de tempo em que existiram no continente. Cerca de 120 mil anos atrás, indica o modelo, a história africana mudou drasticamente.

Na África Austral, os povos de Stem1 e Stem2 se fundiram, gerando uma nova linhagem que daria origem aos nama e a outros humanos vivos daquela região. Em outras partes da África, ocorreu uma fusão separada dos grupos Stem1 e Stem2. Essa fusão produziu uma linhagem que daria origem a pessoas vivas na África Ocidental e na África Oriental, bem como as pessoas que se expandiram para fora da África.

É possível que as convulsões climáticas tenham forçado as populações de Stem1 e Stem2 nas mesmas regiões, levando-as a se fundirem em grupos únicos. Alguns bandos de caçadores-coletores podem ter tido que se retirar da costa quando o nível do mar subiu, por exemplo. Algumas regiões da África tornaram-se áridas, potencialmente enviando pessoas em busca de novos lares.

Mesmo após essas fusões há 120 mil anos, as pessoas com ancestralidade exclusivamente Stem1 ou exclusivamente Stem2 parecem ter sobrevivido. O DNA do povo mende mostrou que seus ancestrais se cruzaram com pessoas do Stem2 há 25 mil anos. "Isso sugere que o Stem2 estava em algum lugar na África Ocidental", disse Henn.

Ela e seus colegas agora estão adicionando mais genomas de pessoas de outras partes da África para ver se eles afetam os modelos.

É possível que descubram outras populações que sobreviveram na África por centenas de milhares de anos, ajudando a produzir nossa espécie como a conhecemos hoje.

Scerri especulou que viver numa rede de populações misturadas em toda a África pode ter permitido que os humanos modernos sobrevivessem enquanto os neandertais foram extintos. Nesse arranjo, nossos ancestrais puderam manter maior diversidade genética, o que, por sua vez, pode tê-los ajudado a suportar mudanças no clima ou até mesmo desenvolver novas adaptações.

"Essa diversidade na raiz de nossa espécie pode ter sido a chave do nosso sucesso", disse Scerri.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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