'Partículas fantasmagóricas' levam à imagem totalmente nova da Via Láctea

Pela primeira vez, cientistas observam nossa galáxia com base em neutrinos

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Will Dunham
Washington | Reuters

Durante milênios, os seres humanos contemplaram com admiração a vasta torrente de estrelas —brilhantes ou tênues— no céu noturno da Terra que inclui a Via Láctea. Nossa galáxia natal, no entanto, agora está sendo observada pela primeira vez de uma maneira totalmente nova.

Cientistas disseram nesta quinta-feira (29) que produziram uma imagem da Via Láctea não baseada em radiação eletromagnética —luz—, mas em partículas subatômicas fantasmagóricas chamadas neutrinos. Eles detectaram neutrinos de alta energia no gelo puro nas profundezas do solo da Antártida e, em seguida, rastrearam sua fonte até locais na Via Láctea —a primeira vez que essas partículas foram observadas surgindo de nossa galáxia.

Essa visão difere fundamentalmente do que podemos ver com nossos próprios olhos ou com instrumentos que medem outras fontes eletromagnéticas, como ondas de rádio, micro-ondas, infravermelho, ultravioleta, raios X e raios gama. Não são estrelas, planetas e outras coisas observáveis graças à sua luz, mas sim as misteriosas fontes de neutrinos originários da galáxia, talvez remanescentes das mortes explosivas de estrelas chamadas supernovas.

Impressão artística da Via Láctea vista com uma lente de neutrinos
Impressão artística da Via Láctea vista com uma lente de neutrinos (em azul) - U.S. National Science Foundation (Lily Le & Shawn Johnson)/ESO (S. Brunier)/via Reuters

Os neutrinos foram detectados ao longo de uma década no Observatório de Neutrinos IceCube numa estação de pesquisa científica dos Estados Unidos no Polo Sul, usando mais de 5.000 sensores numa área do tamanho de uma pequena montanha.

"Esta observação é inovadora. Ela definiu a galáxia como uma fonte de neutrinos. Todo trabalho futuro irá se referir a esta observação", disse o físico Ignacio Taboada, da Georgia Tech, porta-voz da pesquisa no IceCube.

"Quando descobrimos neutrinos de origem cósmica em 2013, foi uma surpresa não termos encontrado um fluxo originário das fontes próximas de nossa própria galáxia. As fontes galácticas deveriam dominar o céu, como fazem em todos os comprimentos de onda da luz. Levamos uma década para descobrir nossa própria galáxia", disse o físico Francis Halzen, da Universidade de Wisconsin, principal cientista do IceCube.

Os neutrinos são eletricamente neutros, imperturbáveis até mesmo pelo campo magnético mais forte, e raramente interagem com a matéria, ganhando o apelido de "partículas-fantasmas". À medida que os neutrinos viajam pelo espaço, eles passam desimpedidos pela matéria —estrelas, planetas e, nesse caso, pessoas.

"Assim como a luz atravessa o vidro sem parar, os neutrinos podem atravessar tudo, inclusive todo o planeta Terra", disse Taboada.

"O neutrino é uma partícula elementar, o que significa que não é feito de nada menor. Eles não são blocos de construção de 'coisas', como elétrons e quarks, mas são criados em processos nucleares. Eles também são criados quando prótons (partículas subatômicas) e núcleos (atômicos) interagem em energias muito altas", disse o físico Naoko Kurahashi Neilson, da Universidade Drexel, na Filadélfia, membro da equipe de pesquisa que explicou as descobertas na revista Science.

Muitos aspectos do universo são indecifráveis usando apenas a luz. A capacidade de usar partículas como neutrinos na astronomia permite um exame mais robusto, assim como a confirmação de ondulações no tecido do espaço-tempo chamadas ondas gravitacionais, anunciadas em 2016, abriram outra nova fronteira. Este campo é chamado de "astrofísica multimensageiro".

Os neutrinos são produzidos pelas mesmas fontes que os raios cósmicos, as partículas de maior energia já observadas, mas diferem em um aspecto fundamental. Os raios cósmicos, sendo partículas eletricamente carregadas, não podem ser rastreados diretamente até sua fonte porque fortes campos magnéticos no espaço alteram sua trajetória. Mas a direção de chegada dos neutrinos aponta diretamente para sua fonte original.

Os pesquisadores aproveitaram o aprendizado de máquina para ajudar a distinguir os neutrinos originários de nossa galáxia daqueles vindos de outros locais. Eles divulgaram uma ilustração de suas descobertas com neutrinos da Via Láctea representados pela luz, com forte concentração no núcleo da galáxia.

Como os neutrinos se originaram é uma questão de debate. As observações eram consistentes com a ideia de uma emissão difusa de neutrinos na Via Láctea, mas essas partículas poderiam surgir de fontes específicas ainda desconhecidas.

"Esta é agora a questão chave. Os neutrinos só se originam em fontes onde os raios cósmicos são produzidos. Eles são rastreadores de fontes de raios cósmicos. A questão chave é onde esses raios cósmicos se originam", disse Halzen.

"A fonte mais provável de neutrinos e raios cósmicos em nossa galáxia", acrescentou Taboada, "são os restos de antigas explosões de supernovas. Mas isso não foi comprovado até agora."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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