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Arapuca brasileira para detectar neutrinos é montada na Europa

Sistema de fotodetecção de partículas foi criado pelo casal Ettore Segreto e Ana Amélia Bergamini Machado

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São Paulo

Após um longo período de desenvolvimento e testes, um grupo de pesquisadores no Brasil está em meio à entrega de seu sistema de detecção de neutrinos para um grande projeto internacional de física de partículas liderado pelo Fermilab, principal laboratório americano de física de partículas, em Batavia, nos arredores de Chicago.

É, literalmente, um conjunto de arapucas para capturar sinais dessas fugidias partículas neutras, cuja existência é conhecida há décadas, mas segue envolvida em mistérios.

A ideia para o sistema de fotodetecção nasceu com o casal Ettore Segreto e Ana Amélia Bergamini Machado, ele italiano, ela brasileira, ambos pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Acelerador de partículas do Cern (Centro Europeu para Pesquisa Nuclear)
Um protótipo das arapucas para capturar neutrinos está sendo instalado no Cern (Centro Europeu para Pesquisa Nuclear), na Suíça, antes de ter sua versão final montada nos Estados Unidos - Alberto Pizzoli - 18.nov.11/AFP

O design que eles bolaram age basicamente como uma armadilha luminosa, permitindo que fótons individuais (as partículas de que a luz é feita) entrassem, mas não saíssem, até que fossem absorvidos e registrados por um detector de silício em seu interior. Daí o nome Arapuca, numa referência à palavra que, em tupi-guarani, significa "armadilha para pegar pássaros".

Estimativas iniciais indicavam que ele poderia ser 10 vezes mais sensível que outras propostas para o sistema de fotodetecção (detecção por luz), o que animou a equipe responsável pelo Dune. Sigla em inglês para Experimento Subterrâneo Profundo de Neutrinos, esse grande projeto, quando entrar em operação, deve ser o mais sensível detector dessas partículas no mundo.

A Arapuca, que começou com uma ideia do casal, acabou se tornando a peça central do maior e mais internacional dos consórcios envolvidos no projeto. "No grupo de fotodetecção, são mais de 300 pesquisadores, em 47 universidades, nos EUA, na América Latina, na Europa e agora tivemos uma adesão da Coreia do Sul", conta Segreto. "Dez países ao todo."

Em reconhecimento à importância da contribuição, o pesquisador entrou na disputa para ser um dos líderes do Dune em 2022.

Em 2017, durante uma passagem pelo Cern (o centro europeu de física de partículas), em Genebra, na Suíça, o modelo foi aperfeiçoado pela dupla e ganhou o nome de X Arapuca. E agora, a equipe de Segreto e Machado está para concluir a entrega de 40 dessas X Arapucas, com dois metros de comprimento por 12 cm de largura e 2 cm de espessura.

"Em abril terminamos de entregar. Elas foram concebidas, montadas e testadas no Brasil. A maioria das peças foi fabricada no estado de São Paulo", destaca Machado. Essas 40 placas serão usadas no Proto-Dune, um protótipo do equipamento final, em processo de instalação no Cern.

O trabalho tem financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e estima-se que US$ 3 milhões tenham sido investidos na iniciativa pelo lado nacional.

A saga dos neutrinos

Embora essas partículas elementares tenham sido detectadas pela primeira vez em 1956, ainda há muito que não sabemos sobre elas. Isso porque são extremamente leves e pequenos. Com carga neutra, interagem muito pouco com a matéria convencional, o que torna sua detecção um desafio. Apesar disso, eles têm papel fundamental na física que faz estrelas brilharem e até mesmo explodirem, no fim de suas vidas.

Sabemos que eles existem em três tipos diferentes, chamados de neutrino-elétron, neutrino-muon e neutrino-tau, e que podem "oscilar", ou seja, se transformar entre um e outro tipo ao longo do tempo. Ninguém sabe ao certo como ou por quê. O Dune tem por objetivo explorar exatamente essas questões.

Enquanto o protótipo está sendo instalado ao nível do solo, o equipamento final (que contará com 1.500 X Arapucas, a serem produzidas ao longo dos próximos dois anos) será acomodado no subterrâneo, a 1,6 km da superfície, em Lead, Dakota do Sul (EUA).

A ideia de "enterrar" o experimento é bloquear ao máximo raios cósmicos capazes de ativar os detectores. Como os neutrinos atravessam matéria com facilidade maior, quanto mais fundo se vai, mais prevalentes eles vão ficando.

Quando ficar pronto, o Dune consistirá em quatro grandes piscinas subterrâneas preenchidas, cada uma, com 17 mil toneladas de argônio líquido (que só se conserva nesse estado se mantido a -187° C). Os tanques estarão envolvidos pelos sistemas de detecção.

E serão três os objetivos principais do projeto: buscar, no estudo das oscilações dos neutrinos, evidências de algo que os físicos chamam de violação de carga-paridade (que por sua vez pode esclarecer por que tudo que vemos no Universo é feito de matéria, não de antimatéria), tentar detectar o decaimento de um próton (algo que não sabemos se ocorre mesmo) e captar emissões de neutrinos provenientes de supernovas (sabe-se que essas explosões estelares emitem quantidades copiosas deles e talvez seja possível detectá-los antes mesmo que a luz da detonação chegue até nós).

Como não dá para contar com as supernovas para entregar neutrinos sob demanda, para cumprir seus outros objetivos o Dune contará com outra fonte: o Fermilab, em Batavia. Ele gerará um feixe que cruzará 1.300 km sob o solo até atingir os tanques do experimento em Lead.

A cada trombada fortuita de um neutrino com um átomo de argônio, surgirão dois sinais: um mais rápido, chamado de cintilação, que consiste na produção de luz resultante da colisão, e um mais lento, a ionização, que envolve a perturbação de um elétron ligado ao argônio e é detectado por uma grade elétrica.

A Arapuca lida com o sinal luminoso, que indica o exato momento da colisão. Também é da alçada dele detectar neutrinos que por ventura venham de supernovas, bem como indicar se houve decaimento de um próton. Já o sinal de ionização indica a trajetória e o tipo de partícula que atingiu o detector.

O detector de neutrinos Super-Kamiokande, instalado um quilômetro embaixo da cidade de Hida, no Japão
O detector de neutrinos Super-Kamiokande, instalado um quilômetro embaixo da cidade de Hida, no Japão - ICRR-Universidade de Tóquio

Cronograma

Mais da metade das peças para o Proto-Dune já foi à Europa, e a instalação deve ser concluída em agosto, para que o tanque possa ser preenchido com argônio líquido, e o experimento protótipo possa ser ligado em setembro. E já é possível obter alguma ciência com essa versão preliminar do sistema.

"Ele vai fazer caracterização da resposta do argônio, calibrações, testes da tecnologia, dos detectores", diz Segreto. "Agora, se houver uma supernova por aí e ele estiver em funcionamento, ele pode ser capaz de detectar", complementa Machado.

Enquanto isso, os trabalhos seguem a todo vapor para o Dune. Neste momento, estão sendo construídas as salas subterrâneas que vão receber o equipamento. No Brasil, as X Arapucas para ele devem ser produzidas entre 2023 e 2024. Segue-se a integração do equipamento, o que deve levar alguns anos. O experimento deve estar pronto para iniciar a tomada científica de dados em 2029.

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