Metal autocurável não existe apenas na ficção científica

Cientistas americanos realizam experimentos com placas de platina e cobre que se reparam em escala microscópica

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Will Dunham
Washington | Reuters

No filme de 1991 "O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final", um androide perverso chamado T-1000, que viaja no tempo, muda de forma e é feito de metal líquido, demonstra ter uma qualidade singular. Atingido por explosões ou balas, seu metal se autocura.

Metal autocurável ainda é apenas ficção científica, certo? Parece que não.

No último dia 19, cientistas descreveram como pedaços de platina e cobre puro fecham espontaneamente rachaduras provocadas por fadiga metálica em experimentos em nanoescala projetados especificamente para estudar como essas rachaduras se formam e se alastram em metal submetido a estresse. Eles se disseram otimistas quanto às chances de essa qualidade poder ser desenvolvida em metais no futuro relativamente próximo, de modo a criar máquinas e estruturas autorreparáveis.

O exterminador T-1000 de 'O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final', androide de metal que se autorrepara
O exterminador T-1000 de 'O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final', androide de metal que se autorrepara - Divulgação

A fadiga metálica ocorre quando o metal —incluindo peças de máquinas, veículos e estruturas— sofre rachaduras microscópicas depois de ser exposto a estresse ou movimento repetido. Os danos tendem a se agravar ao longo do tempo. A fadiga metálica pode provocar falhas catastróficas em áreas que incluem a aviação —os motores de jatos, por exemplo— e a infraestutura —pontes e outras estruturas.

Nos experimentos realizados no Laboratório Nacional Sandia, do governo americano, no Novo México, os pesquisadores usaram uma técnica que puxava as pontas dos pedaços minúsculos de metal cerca de 200 vezes por segundo. Uma rachadura se formou inicialmente e cresceu. Mas cerca de 40 minutos depois de iniciado o experimento, o metal voltou a se fundir.

Os pesquisadores chamam essa reparação de "soldagem a frio".

"A soldagem a frio é um processo metalúrgico que é sabido que ocorre quando duas superfícies metálicas relativamente lisas e limpas são juntadas, reformando suas ligações atômicas", disse o cientista de materiais Brad Boyce, do Laboratório Nacional Sandia, que ajudou a chefiar o estudo publicado na revista Nature.

"Diferentemente dos robôs do filme ‘O Exterminador do Futuro’ que se reparam sozinhos, este processo não é visível na escala humana. Ele ocorre na nanoescala, e ainda não somos capazes de controlar o processo", disse Boyce.

Imagens das placas de platina e cobre puro no processo de autorreparação após sofrer rachaduras provocadas por fadiga metálica em experimentos em nanoescala
Imagens das placas de platina e cobre puro no processo de autorreparação após sofrer rachaduras provocadas por fadiga metálica em experimentos em nanoescala - Nature/Reprodução

Os pedaços de metal usados tinham 40 nanômetros de espessura e alguns micrômetros de largura. Embora a reparação espontânea tenha sido observada apenas nos experimentos com platina e cobre, Boyce disse que simulações indicam que ela pode ocorrer em outros metais e que é "inteiramente plausível" que ligas como o aço possam exibir essa propriedade.

"Podemos visualizar materiais adaptados para tirar vantagem desse comportamento", disse Boyce.

"Dado esse fato que agora conhecemos, pode haver estratégias alternativas de design de materiais ou enfoques de engenharia alternativos que poderiam ser criados para ajudar a mitigar falhas decorrentes de fadiga metálica. Além disso, esse novo entendimento pode lançar luz sobre falhas decorrentes de fadiga metálica em estruturas existentes, aumentando nossa capacidade de interpretar e prever essas falhas", ele acrescentou.

Cientistas já criaram alguns materiais autocuráveis no passado, principalmente plásticos. Um coautor do estudo, Michael Demkowicz, professor de ciência de materiais e engenharia na Universidade Texas A&M, previu a autocura metálica uma década atrás.

Demkovicz estimou corretamente que, sob certas condições, colocar metal sobre estresse que normalmente agravaria rachaduras relacionadas à fadiga poderia ter o efeito oposto.

O pesquisador Ryan Schoell utiliza uma técnica especializada de microscopia eletrônica de transmissão para estudar fissuras de fadiga em escala nanométrica
O pesquisador Ryan Schoell utiliza uma técnica especializada de microscopia eletrônica de transmissão para estudar fissuras de fadiga em escala nanométrica - Craig Fritz/Sandia National Laboratories/via Reuters

"Meu palpite é que as aplicações concretas de nossas descobertas levarão outros dez anos para serem desenvolvidas", disse Demkowicz.

"Quando fiz minhas previsões inicialmente, alguns jornalistas disseram que eu estava tentando criar um T-1000", ele prosseguiu. "Isso ainda é ficção científica. Mas no final da (série de TV) ‘Battlestar Galactica’, a tripulação adaptou tecnologia dos Cylons (uma raça fictícia de robôs) para ajudar a curar os danos de fadiga em sua própria nave, fazendo o metal comportar-se mais como um tecido orgânico que é capaz de curar suas próprias lesões. Eu diria que estamos trabalhando sobre algo mais semelhante ao exemplo do ‘Battlestar Galactica’."

A autocura foi observada em um ambiente muito específico, usando um aparelho chamado microscópio de elétrons.

"Uma das grandes perguntas que o estudo deixou em aberta é se o processo também ocorre no ar, e não apenas no ambiente a vácuo do microscópio. Mas, mesmo que ocorra apenas no vácuo, ainda tem consequências importantes para a fadiga de veículos especiais ou fadiga associada a rachaduras debaixo da superfície que não são expostas à atmosfera", disse Boyce.

Tradução de Clara Allain

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