Moscas virgens geram prole após passarem metade da vida procurando parceiro

Experimento indica ser possível induzir reprodução sem sexo no mundo animal, segundo cientistas

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São Carlos (SP)

Pesquisadores do Reino Unido e dos EUA descobriram qual a receita genética por trás da capacidade de gerar filhotes sem sexo, a chamada partenogênese (algo como "nascimento virgem", em grego).

De posse desses dados, eles conseguiram fazer com que uma espécie de mosca-das-frutas que normalmente só se reproduz pelo cruzamento entre machos e fêmeas gerasse prole viável também dessa maneira inusitada.

Mosca-das-frutas que nasceu a partir de um experimento genético para gerar filhotes sem sexo, a partenogênese - Jose Casal e Peter Lawrence/Universidade de Cambridge

"Somos os primeiros a mostrar que é possível induzir nascimentos virgens num animal. Foi muito empolgante ver uma mosca virgem produzir um embrião capaz de se desenvolver até a fase adulta e depois repetir o processo", declarou em comunicado oficial a pesquisadora Alexis Sperling, da Universidade de Cambridge, que é a primeira autora do estudo. Ou seja, a capacidade partenogenética continuou existindo nas gerações seguintes daquela linhagem alterada.

A partenogênese pode ser encontrada em diversos grupos de invertebrados e também em répteis, peixes e outros vertebrados. Em geral, a prole gerada por esse método é muito parecida geneticamente com a mãe, mas não chega a ser um clone dela. Especula-se que essa possibilidade apareça de vez em quando, ao longo do tempo evolutivo, em circunstâncias de escassez de recursos e/ou parceiros.

Para elucidar as bases genéticas da partenogênese, Sperling e seus colegas tomaram partido de um "experimento natural", a existência de uma espécie de mosca-das-frutas (Drosophila mercatorum) considerada partenogenética facultativa. Ou seja, há grupos da espécie que se reproduzem normalmente pelo sexo, enquanto outras linhagens se propagam por meio do "nascimento virgem".

Um caminho lógico, portanto, seria investigar as diferenças entre as duas linhagens. Foi o que equipe britânico-americana fez, analisando padrões de expressão do DNA –ou seja, quais genes das moscas estavam "ligados" em diferentes linhagens. A lista de diferenças entre os dois tipos de D. mercatorum era enorme, mas foi possível se concentrar numa lista bem menor de trechos de DNA que estão ligados a processos de divisão e integridade da estrutura celular e, pelo que se sabe, poderiam ser importantes para a partenogênese.

O passo seguinte foi manipular versões desses genes numa parente distante da mosca que se reproduz naturalmente por partenogênese. Trata-se da Drosophila melanogaster, espécie que é usada há cerca de um século em experimentos genéticos de todos os tipos e, por isso, tem características biológicas muito bem conhecidas pelos cientistas.

Após testar algumas combinações diferentes de genes, a equipe percebeu que modificações em três deles eram suficientes para que uma pequena porcentagem das D. melanogaster se tornassem capazes de partenogênese. "No caso das nossas moscas manipuladas geneticamente, as fêmeas esperaram cerca de metade da vida delas –cerca de 40 dias– tentando achar um macho, mas depois disso desistiram e acabaram produzindo prole ainda virgens", conta a pesquisadora de Cambridge.

O trio de genes inclui o Myc, que é importante para a rápida multiplicação de células típica do desenvolvimento embrionário. Os outros dois genes, chamados polo e Desat2, estão associados a aspectos mais sutis do processo, como a estrutura das células conforme elas vão se dividindo. No processo criado em laboratório, o óvulo não fecundado das moscas-das-frutas pode acabar dando origem a rebentos que são triploides —ou seja, carregam três cópias de cada conjunto do DNA, e não duas, como no caso dos seres humanos e da imensa maioria dos animais.

Estudar o funcionamento do processo, além de desvendar um enigma da biologia, também pode ter impactos positivos para o controle de pragas agrícolas, já que muitos desses insetos podem acabar desenvolvendo a partenogênese.

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