Descrição de chapéu The New York Times maternidade

Cientistas questionam teoria de que tamanho dos cérebros de bebês tornou parto arriscado

Pesquisadoras temem que ideia leve a uma noção generalizada do corpo feminino como defeituoso

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Carl Zimmer
The New York Times

É uma pergunta na mente exausta de todos os novos pais: por que os bebês nascem tão indefesos? Em 1960, um antropólogo americano apresentou uma explicação influente enraizada na evolução humana.

Quando nossos primeiros ancestrais começaram a andar eretos, argumentou Sherwood Washburn em 1960, eles desenvolveram uma pelve mais estreita para tornar mais eficiente a caminhada de longas distâncias. Ao mesmo tempo, esses hominídeos estavam desenvolvendo cérebros maiores. E bebês com cabeças grandes podem ficar presos em um canal de parto apertado ao nascer, ameaçando a vida de mães e bebês.

De acordo com Washburn, a evolução lidou com esse dilema obstétrico, como ele o chamou, encurtando as gestações, de modo que as mulheres davam à luz antes que o cérebro infantil terminasse de crescer.

Mulher prepara-se para dar à luz em hospital em Paris, na França
Mulher prepara-se para dar à luz em hospital em Paris, na França - Christophe Archambault - 29.jun.22/AFP

A teoria de Washburn foi extremamente influente e tornou-se uma lição comum nas aulas de biologia. O livro "Sapiens: Uma Breve História da Humanidade", de Yuval Noah Harari (2011), apresentou o dilema obstétrico como fato. Muitos pesquisadores ainda o adotam.

Mas uma análise detalhada das evidências, prevista para ser publicada em breve na revista Evolutionary Anthropology, jogou água fria na ideia.

Na revisão, Anna Warrener, antropóloga biológica da Universidade do Colorado, em Denver, argumentou que as evidências até o momento não oferecem um forte apoio para o dilema obstétrico e que os cientistas não prestaram atenção suficiente às alternativas possíveis. Além do mais, disse a cientista, a ideia envia uma mensagem perniciosa para as mulheres de que a gravidez é inerentemente perigosa.

"Isso perpetua uma narrativa de incompetência corporal", disse Warrener.

Na faculdade, Warrener não viu nenhuma razão para duvidar do dilema obstétrico. Para sua dissertação, ela investigou uma das principais suposições de Washburn –a de que as mulheres andam com menos eficiência do que os homens porque sua pelve é mais larga para o parto. Mas em 2015, depois de estudar voluntários andando em esteiras, Warrener descobriu que ter uma pelve mais larga não criava uma demanda maior de oxigênio.

"Ao ver os dados, eu pensei: 'Espere um pouco –posso ter entendido errado parte da história'", lembrou ela.

Holly Dunsworth, uma antropóloga biológica agora na Universidade de Rhode Island, também se desencantou com o dilema obstétrico quando examinou de perto as evidências. "Fiquei escandalizada", disse.

Em 2012, ela e seus colegas publicaram um estudo sobre a duração da gravidez em humanos e outros primatas. Eles descobriram que, em geral, os primatas maiores tendem a ter gestações mais longas do que os menores. Para seu tamanho, os humanos não têm gestações curtas. Na verdade, as gestações humanas são mais longas do que se poderia prever para primatas de seu tamanho.

Desde então, Dunsworth tornou-se uma forte crítica do dilema obstétrico, argumentando que o momento do parto é determinado pelo tamanho dos corpos dos bebês, não de suas cabeças. O processo de parto começa quando o feto exige mais energia do que o corpo da mãe pode fornecer, ela propõe. "Estamos dando à luz a bebês enormes", disse ela.

Outros cientistas, no entanto, saíram em defesa da teoria, embora admitindo que sua concepção original era excessivamente simplista.

Em um estudo publicado no mês passado, uma equipe de pesquisadores argumentou que a diferença entre a pelve masculina e a feminina mostra sinais de seleção natural agindo em direções diferentes. Enquanto os machos humanos são maiores e mais altos, em média, do que as fêmeas, certas partes de suas pelves são relativamente menores. As maiores diferenças estão nos ossos que circundam o canal de parto nas fêmeas humanas.

Apesar dessas diferenças, a pelve feminina ainda cria um encaixe apertado entre a cabeça do bebê e o canal do parto, às vezes colocando o bebê e a mãe em perigo.

"Então, por que a seleção natural não conseguiu resolver essa situação e tornar o nascimento um pouco menos arriscado?", perguntou Nicole Grunstra, antropóloga evolutiva da Universidade de Viena (Áustria) e uma das autoras do estudo.

"Ele evoluiu para ser um compromisso evolutivo entre demandas concorrentes", disse ela –em outras palavras, para resolver um dilema obstétrico.

Mas Grunstra reconheceu falhas na versão original da teoria de Washburn. Ela suspeitava que a caminhada pode não ter sido o fator mais importante na evolução da pelve. Simplesmente ficar de pé, disse ela, pode ter pressionado o assoalho pélvico, impedindo a evolução de um canal de parto mais espaçoso.

Os céticos não estão convencidos por esses argumentos. Em sua nova revisão, Warrener questionou se os bebês que ficam presos no canal de parto representam uma grande ameaça para a vida das mulheres. É muito mais comum que as novas mães morram devido à perda de sangue ou infecções, observou.

Ela também criticou a maneira como Grunstra e outros defensores do dilema obstétrico defendem sua hipótese. Em sua opinião, eles assumem que cada peça da anatomia humana foi ajustada pela seleção natural para um trabalho específico.

Às vezes, disse Warrener, as adaptações são fruto do acaso. Por exemplo, alguns dos genes que constroem a pelve também são ativos no desenvolvimento de outras partes do esqueleto. Se outro osso do nosso corpo evoluísse para uma nova forma, a pelve poderia mudar simplesmente como um subproduto –não porque estava evoluindo para caminhar ou dar à luz.

"Acho que as diferenças da pelve entre os sexos têm sido uma espécie de pista falsa", disse Dunsworth.

Como outros ossos, a pelve não tem uma forma fixa codificada em um projeto genético. Seu desenvolvimento é influenciado pelos tecidos ao seu redor, incluindo o útero, os ovários e outros órgãos. As proporções da pelve feminina podem resultar em parte de todos os órgãos que crescem dentro dela.

Dunsworth e Warrener temem que o dilema obstétrico leve a uma noção generalizada do corpo feminino como inescapavelmente defeituoso.

"Isso nos faz sentir como problemas que precisam ser resolvidos pela medicina", disse Dunsworth.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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