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Incêndios florestais levaram à extinção de grandes mamíferos, sugere estudo

Paleontólogos chegaram a essa conclusão ao analisar fósseis encontrados no sul da Califórnia

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Katrina Miller
The New York Times

Os incêndios florestais estão se agravando. Cientistas dizem que partes dos Estados Unidos vêm sofrendo incêndios com o triplo da frequência e de dimensões quatro vezes maiores do que era o caso 20 anos atrás. Neste verão apenas, fumaça dos incêndios no Canadá deixou os céus da América do Norte com uma cor laranja estranha; "turbilhões de fogo" foram vistos no Deserto de Mojave, e um incêndio furioso provocou uma catástrofe na ilha de Maui, no Havaí.

Registros do passado histórico podem revelar o que causou um aumento da atividade de fogo no passado e quais podem ter sido as consequências. Em um estudo publicado na semana passada na revista Science, um grupo de paleontólogos que analisou registros fósseis em La Brea, célebre sítio de escavações de restos fósseis no sul da Califórnia, concluiu que o desaparecimento de tigres dentes-de-sabre, lobos-terríveis e outros grandes mamíferos desta região quase 13 mil anos atrás esteve ligado à alta da temperatura e ao aumento de incêndios iniciados por humanos.

"Consideramos que os humanos foram a causa primária da virada", disse Robin O’Keefe, biólogo evolutivo da Universidade Marshall. "O que aconteceu em La Brea estará acontecendo agora? É uma ótima pergunta, e acho que precisamos tentar encontrar a resposta."

Concepção artística de um bisão atolado no poço de asfalto enquanto um incêndio florestal se aproxima dele em La Brea, no sul da Califórnia (EUA)
Concepção artística de um bisão atolado no poço de asfalto enquanto um incêndio florestal se aproxima dele em La Brea, no sul da Califórnia (EUA) - Cullen Townsend/Museu de História Natural de Los Angeles via NYT

A Terra já passou por cinco eventos de extinção em massa até hoje. Alguns cientistas consideram que o desaparecimento dos grandes mamíferos no final da última Era do Gelo teria sido o início de um sexto evento. "Foi o maior evento de extinção desde que um asteroide colidiu com a Terra e exterminou os dinossauros", disse a paleoecologista Emily Lindsey, do museu e sítio de Poços de Betume de La Brea e uma das autoras do novo estudo. Para ela, o desaparecimento pode muito bem representar o momento inicial de uma sexta extinção em massa.

Até agora, cientistas não puderam definir exatamente o que levou à extinção desses animais. Poços de Betume de La Brea é um dos poucos sítios no mundo com um registro fóssil suficientemente grande para que cientistas possam investigar a questão. Os poços de piche, ainda ativos em uma área de 16 acres, estão cheios de asfalto preto e borbulhante que subiu à superfície, vindo das entranhas da Terra. Animais pré-históricos que atolaram nesse lodo morreram de exaustão ou vítimas de predadores, e o asfalto fossilizou e preservou seus restos. "E isso continua a acontecer hoje", disse O’Keefe. "Você pode ir a La Brea e ver um esquilo atolado no piche. Eu mesmo já vi."

Isso é azar para os animais, mas boa sorte para os cientistas: La Brea possui um registro fóssil contínuo da região que vem de 55 mil anos atrás. O’Keefe e sua equipe analisaram fósseis de oito espécies de mamíferos grandes —incluindo o tigre dente-de-sabre, o leão americano e o Camelops hesternus, um camelo pré-histórico— que viveram entre 10 mil e 15,6 mil anos atrás. Usando datação por radiocarbono, a equipe determinou que sete dessas espécies entraram em extinção 13 mil anos atrás.

Para entender o porquê, os pesquisadores analisaram registros climáticos, de pólen e de incêndios na região, ao lado do crescimento da população humana continental da época. Descobriram que a ocupação humana começou a crescer rapidamente mais ou menos na mesma época em que um período de seca grave e aquecimento começou no sul da Califórnia. Houve incêndios florestais extremos, e a vegetação, antes rica em juníperos e carvalhos, acabou dando lugar a gramíneas e arbustos de chaparral.

Regan Dunn, uma paleobotânica, à esquerda, e Emily Lindsey, uma paleoecologista, com ossos do fêmur de preguiças-gigantes da Era do Gelo escavados nos Poços de Betume de La Brea
Regan Dunn, uma paleobotânica, à esquerda, e Emily Lindsey, uma paleoecologista, com ossos do fêmur de preguiças-gigantes da Era do Gelo escavados nos Poços de Betume de La Brea - Natalja Kent/Museu de História Natural de Los Angeles/via NYT

"O que vemos é que houve um período de 400 anos de incêndios tremendamente aumentados", disse a paleobotânica Regan Dunn, do sítio e museu de La Brea e uma das autoras do novo artigo. "No final desse período, estamos em um novo ecossistema, e toda a megafauna desapareceu."

O’Keefe descreveu as condições como a tempestade perfeita: "Você tem um conjunto de fatores diferentes que multiplicam uns aos outros e levam a um aumento enorme nos incêndios", ele disse. Usando um modelo semelhante aos que preveem tendências nos mercados acionários, os cientistas determinaram que os humanos foram os principais causadores desses incêndios, tanto por ateá-los diretamente quanto pela eliminação de herbívoros, o que permitiu que a vegetação rasteira inflamável se espalhasse de modo descontrolado. Mudanças no clima exacerbaram o processo ainda mais, criando as condições para a extinção das espécies.

Dunn enfatizou que esse padrão não explica o desaparecimento notável de grandes mamíferos em outras partes do mundo no final da última Era do Gelo. "Mas, para entender o evento global, é preciso realmente examinar o que ocorreu em escala regional", ela disse. O que ocorreu no sul da Califórnia 13 mil anos atrás "tem paralelos marcantes com as crises ambientais e de biodiversidade que estamos enfrentando hoje".

Os registros climáticos durante a extinção ocorrida na Era do Gelo apontam para um aquecimento de cerca de dez graus Fahrenheit ao longo de mil anos, disse Dunn, sendo que hoje a temperatura no sul da Califórnia subiu cerca de 5,4 graus apenas nos últimos cem anos. O aumento da atividade de incêndios após a chegada dos humanos já foi documentado também em outros lugares, incluindo a Austrália, onde incêndios recentemente causaram grandes perdas da fauna singular desse país.

"Este estudo é um ótimo exemplo de como podemos usar o passado para prever o futuro", escreveu em email o paleoecologista Anthony Barnosky, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que não participou do trabalho. "E o que estamos vendo acontecer hoje —pressões humanas crescentes combinadas com e causando a mudança climática— é como uma lição do passado multiplicada por mil." Barnosky acrescentou que essas alterações não são graduais, mas velozes e catastróficas.

Os pesquisadores observaram que é difícil compreender a semelhança entre os eventos atuais e os do registro fóssil. "Muitos dos animais mais ameaçados de extinção hoje são os mamíferos grandes remanescentes que não entraram em extinção" no final da última Era do Gelo, disse Lindsey. Mas, segundo ele, "pelo fato de que nós causamos isso, nós temos o poder de fazê-lo parar".

Tradução de Clara Allain

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