Descrição de chapéu The New York Times

Cientistas fazem 'censo' do cérebro e identificam mais de 3.000 tipos de célula

Resultados dos estudos foram divulgados em coletânea especial da revista Science

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Carl Zimmer
The New York Times

Uma equipe internacional de cientistas mapeou o cérebro humano com uma resolução inédita. O atlas cerebral, um esforço de 375 milhões de dólares iniciado em 2017, identificou mais de 3.300 tipos de célula cerebral, uma ordem de magnitude maior do que a já reportada. Os pesquisadores têm apenas uma vaga noção do que fazem as células recém-descobertas.

Os resultados foram descritos em 21 artigos publicados na última semana na Science e em várias outras revistas científicas.

Ed Lein, neurocientista do Instituto Allen para Ciência do Cérebro, em Seattle, que liderou cinco dos estudos, disse que as descobertas foram possíveis graças a novas tecnologias que permitiram aos pesquisadores examinar milhões de células cerebrais humanas coletadas de tecido biopsiado ou cadáveres.

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Desenhos de neurônios isolados em biópsias e, acima, a respectiva atividade elétrica - The New York Times/Allen Institute for Brain Science

"Isso realmente mostra o que pode ser feito agora", disse. "Abre uma nova era na neurociência humana."

Ainda assim, Lein disse que o atlas é apenas um rascunho inicial. Ele e seus colegas examinaram somente uma pequena fração das cerca de 170 bilhões de células que compõem o cérebro humano, e pesquisas futuras certamente descobrirão mais tipos de células.

A primeira vez que os biólogos perceberam que o cérebro era composto por diferentes tipos de célula foi na década de 1800. Na década de 1830, o cientista tcheco Jan Purkinje descobriu que algumas células cerebrais tinham ramos incrivelmente densos. As células de Purkinje, como são conhecidas agora, são essenciais para ajustar nossos movimentos musculares.

Gerações posteriores desenvolveram técnicas para tornar outros tipos de células visíveis ao microscópio. Na retina, por exemplo, os pesquisadores encontraram "células cônicas" que capturam a luz. Até o início dos anos 2000, os pesquisadores haviam encontrado mais de 60 tipos de neurônios apenas na retina. Eles então ficaram se perguntando quantos tipos de células estavam escondidos nas regiões mais profundas do cérebro, muito mais difíceis de estudar.

Com financiamento dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde), Lein e seus colegas começaram a mapear o cérebro examinando como as células cerebrais ativavam diferentes genes. Pelo menos 16 mil genes estão ativos no cérebro, e eles são estimulados em diferentes combinações em diferentes tipos de células.

Os pesquisadores coletaram tecido cerebral de várias fontes, incluindo pessoas que haviam morrido recentemente e aquelas que estavam passando por cirurgia cerebral.

Ao estudar tecido cerebral fresco, os cientistas conectaram eletrodos à superfície de células individuais para escutar sua atividade elétrica, injetaram corante para observar sua estrutura e finalmente retiraram os núcleos das células para examiná-los mais de perto.

Em vez de realizar esses procedimentos manualmente, os pesquisadores projetaram robôs para trabalhar de forma eficiente com as amostras. Os robôs já examinaram mais de 10 milhões de células cerebrais humanas, estimou Lein.

Algumas das células recém-identificadas foram encontradas em camadas do córtex cerebral na superfície externa do cérebro. Essa região é essencial para tarefas mentais complexas, como usar a linguagem e fazer planos para o futuro.

Mas os novos estudos revelam que grande parte da diversidade cerebral está fora do córtex cerebral. Um grande número dos tipos de células descobertos no projeto está nas regiões mais profundas do cérebro, como o tronco encefálico que leva à medula espinhal.

Os pesquisadores encontraram muitos novos tipos de neurônios, células que usam sinais elétricos e químicos para processar informações. Mas os neurônios compõem apenas cerca de metade das células do cérebro. A outra metade é muito mais misteriosa.

Astrócitos, por exemplo, parecem nutrir os neurônios para que eles possam continuar funcionando corretamente. As micróglias atuam como células imunológicas, atacando invasores e podando alguns dos ramos dos neurônios para melhorar sua sinalização. E os pesquisadores também encontraram muitos novos tipos dessas células.

Os pesquisadores usaram alguns dos mesmos métodos para estudar os cérebros de chimpanzés e outros animais. Ao comparar os resultados entre as espécies, os pesquisadores investigaram como o cérebro humano evoluiu para ser diferente dos de outros primatas.

Estudos anteriores sugeriam que o cérebro humano poderia ter se distinguido graças, em parte, ao surgimento de novos tipos de células. Mas os pesquisadores ficaram surpresos ao descobrir que todos os tipos de células nos cérebros humanos correspondiam aos encontrados em chimpanzés e gorilas, nossos parentes vivos mais próximos.

Dentro dessas células, os pesquisadores descobriram algumas centenas de genes que se tornaram mais ou menos ativos em humanos do que em símios. Muitos desses genes estão próximos de interruptores genéticos que ligam ou desligam genes.

Trygve Bakken, neurocientista do Instituto Allen que trabalhou nos estudos com primatas, e seus colegas descobriram que vários dos genes que distinguem os humanos estão envolvidos na construção das conexões entre neurônios, conhecidas como sinapses.

"São realmente as conexões —como essas células estão se comunicando umas com as outras— que nos tornam diferentes dos chimpanzés", disse Bakken.

Megan Carey, neurocientista do Centro Champalimaud para o Desconhecido, em Portugal, que não fez parte do projeto do atlas cerebral, disse que a pesquisa forneceu uma quantidade impressionante de novos dados para os pesquisadores usarem em estudos futuros. "Eu acho que esta é uma história de sucesso tremenda", disse.

No entanto, ela também alertou que entender como o cérebro humano funciona não será uma questão de simplesmente catalogar cada parte até os menores detalhes. Os neurocientistas também terão que dar um passo atrás e olhar para o cérebro como um sistema autorregulador.

"Haverá respostas nesse conjunto de dados que nos ajudarão a chegar mais perto disso", disse Carey. "Apenas não sabemos ainda quais são elas."

Adam Hantman, neurocientista da Universidade da Carolina do Norte que não estava envolvido no estudo, disse que o atlas poderia ser de grande ajuda para alguns tipos de pesquisa, como rastrear o desenvolvimento do cérebro. Mas questionou se um catálogo de tipos de células elucidaria comportamentos complexos.

"Queremos saber o que a orquestra está fazendo", disse ele. "Não nos importamos realmente com o que este único violinista está fazendo neste instante."

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