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Cérebro resolve problemas, cria memórias e sintetiza conhecimento durante sono REM; entenda

Etapa é conhecida como fase dos sonhos; especialistas dizem que período é importante para a saúde emocional

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Carolyn Todd
The New York Times

Qualquer dispositivo que te monitora dormindo lhe mostrará que o sono é longe de ser algo passivo. E nenhuma etapa do sono demonstra isso melhor que a fase caracterizada por movimentos rápidos dos olhos (REM, na sigla em inglês), também conhecida como a fase dos sonhos.

"O sono REM também é chamado sono paradoxal ou sono ativo, porque é na realidade muito próximo do estado desperto", diz Rajkumar Dasgupta, especialista em medicina do sono e pulmonar na Escola Keck de Medicina da University of Southern California.

Antes de cientistas descobrirem o sono REM, na década de 1950, não estava claro se algo realmente grande acontecia com o cérebro à noite. Hoje, porém, cientistas entendem o sono como um processo altamente ativo composto de tipos de repouso muito diferentes –incluindo a fase dos sonhos, que sob alguns aspectos nem parece repouso.

Sono REM, também conhecido como fase dos sonhos, é o período mais ativo do sono - Adobe Stock

O corpo normalmente está "desligado" durante o período, mas o cérebro está muito "ligado". Está gerando sonhos vívidos e sintetizando memórias e conhecimento. Cientistas ainda estão tentando desvendar melhor como funciona esse estranho estado de consciência.

"É válido dizer que ainda resta muito a descobrir sobre o sono REM", afirma Dasgupta. Mas, pelo que os cientistas já entendem, o este período é crítico para nossa saúde emocional e função cerebral –e potencialmente até mesmo para nossa longevidade.

Em que momento ocorre o sono REM?

"Entramos e saímos de um padrão rítmico e sinfônico de várias fases do sono ao longo da noite: não REM 1, 2 e 3 e REM", pontua Rebecca Robbins, instrutora de medicina na Escola de Medicina de Harvard e cientista na divisão de distúrbios do sono e circadianos no Hospital Brigham and Women’s.

Quando cochilamos, entramos no primeiro estágio de sono não REM. Este dura menos de dez minutos e é considerado um sono leve. A respiração e a frequência cardíaca desaceleram e os músculos relaxam enquanto entramos no segundo estágio de sono não REM, em que a temperatura corporal cai e as ondas cerebrais ficam mais lentas. Então ingressamos no terceiro estágio, conhecido como sono profundo, em que o corpo repara ossos e músculos, fortalece o sistema imunológico, libera hormônios e restaura nossa energia.

Depois disso tem início o sono REM, em que a frequência cardíaca, a respiração e a atividade cerebral aumentam. Regiões do cérebro envolvidas no processamento de emoções e estímulos sensoriais (do mundo dos sonhos) se ativam. Ao mesmo tempo, o cérebro paralisa os músculos dos braços e pernas para nos impedir de colocar nossos sonhos em prática, explica Dasgupta.

Idealmente a pessoa passa pelas quatro etapas em ciclos de 90 a 110 minutos de duração que se repetem quatro a seis vezes em uma noite típica. Então, depois do último ciclo REM, ela acorda se sentindo descansada e alerta, afirma Indira Gurubhagavatula, especialista em sono na Penn Medicine e professora de medicina no Centro Médico V. A., na Filadélfia.

Quais são os benefícios?

Se você algum dia já foi dormir aborrecido com alguma coisa e acordou se sentindo nitidamente menos incomodado, é provavelmente devido ao processamento emocional e reconsolidação de memórias que ocorrem durante o sono REM.

Há evidências de que nosso cérebro separa as memórias de sua carga emocional –removendo as "beiradas afiadas e dolorosas" das dificuldades da vida, diz Matthew Walker, professor de neurociência e psicologia e fundador e diretor do Centro de Ciência do Sono Humano da Universidade da Califórnia em Berkeley. Para ele, o sono REM "é como uma forma de terapia feita da noite para o dia".

O período também facilita a aprendizagem. Durante essa fase do sono, o cérebro fortalece conexões neurais formadas pelas experiências do dia anterior e as integra em redes existentes, afirma Robbins.

Walker acrescenta: "Pegamos essas informações novas e começamos a checá-las em comparação com nosso catálogo de informações armazenadas. É quase uma forma de alquimia da informação."

Essas novas conexões criadas também nos tornam mais criativos, ele diz. "Despertamos com uma rede mental de associações revista" que nos ajuda a encontrar soluções para problemas. Pesquisadores no laboratório de Walker conduziram um pequeno estudo em que pessoas foram despertadas de diferentes estágios do sono e instruídas a deslindar anagramas. Eles constataram que pessoas despertas quando estavam no sono REM solucionaram 32% mais anagramas que as pessoas interrompidas durante o sono não REM.

E há os sonhos, é claro: a maior parte de nossos sonhos vívidos ocorre neste período. Alguns especialistas pensam que os sonhos não passam de subprodutos do sono REM –a manifestação mental de trabalho neurológico. Mas outros creem que eles podem ajudar as pessoas a processar experiências dolorosas, afirma Walker.

E, embora a maioria dos processos físicos, como a reparação de ossos e tecido muscular, aconteçam durante as fases do sono não REM, algumas mudanças hormonais se dão quando a pessoa está na fase dos sonhos, indica Walker, como a liberação de testosterona (que atinge o pico no início do primeiro ciclo de REM).

O que acontece se não atingirmos o REM de forma suficiente?

A genética e outros fatores podem influenciar a quantidade de sono que cada pessoa necessita, mas, segundo Gurubhagavatula, a maioria dos adultos deve tentar dormir sete a nove horas por dia, o que inclui cerca de duas horas de sono REM.

As pessoas geralmente precisam de menos horas em uma noite dormida quando envelhecem, incluindo um pouco menos do período dos sonhos. Mas grandes déficits de REM, não importa em que idade, podem privar a pessoa dos benefícios psicológicos do período, diz Dasgupta. A pessoa pode ter mais dificuldade em aprender, processar experiências emocionais e solucionar problemas.

O sono REM desregulado também está ligado a problemas de saúde cognitiva e mental, como raciocínio mais lento e depressão, diz Ana Krieger, diretora médica do Centro de Medicina do Sono na Weill Cornell Medicine. Sono REM insuficiente, fragmentado e transtorno comportamental do sono REM –em que a paralisia muscular deixa de ocorrer e as pessoas manifestam seus sonhos fisicamente, frequentemente com chutes ou socos— estão ligados a problemas neurológicos que vão desde o esquecimento moderado até a demência e a doença de Parkinson.

Um estudo feito em 2020 com mais de 4.000 adultos de meia-idade e idosos constatou que cada redução de 5% no sono REM está ligada a um risco 13% maior de morte por qualquer causa nas duas décadas seguintes. A ausência de sono, em geral, está associada à morte, mas a pesquisa sugere que a insuficiência da fase dos sonhos "é o maior fator isolado de todos os estágios", indica Walker.

Ele e outros especialistas não entendem inteiramente a relação entre sono REM e mortalidade. "Acho que ainda não temos um entendimento suficiente do sono REM para poder afirmar definitivamente que mecanismos estão envolvidos", pontua. Ou, como diz Gurubhagavatula, se a falta de sono REM de fato causa a morte.

Como saber se você precisa de mais REM?

Para Gurubhagavatula, é difícil distinguir os sinais de deficiência deste fase dos sinais de privação do sono em geral. Se você não dorme tanto quanto necessita, provavelmente está sofrendo por REM insuficiente.

Mas determinados comportamentos podem comprometer especificamente a fase dos sonhos. "Reduzir seu tempo de sono por se deitar tarde e usar despertador para acordar podem provocar o risco de privação crônica de sono REM", diz Gurubhagavatula. Isso porque os períodos mais longos da fase frequentemente se produzem perto do final da noite.

Consumir bebidas alcoólicas antes de dormir é outra coisa que prejudica nitidamente o REM, indica Walker, porque o processo de metabolização do álcool produz compostos que afetam a regulação do ciclo de sono. E mais: conforme mostra Gurubhagavatula, pessoas cujo consumo de álcool é moderado ou intenso têm risco maior de transtorno comportamental do sono REM.

Antidepressivos também podem reduzir esta fase ou desencadear o transtorno comportamental do sono REM. E problemas de saúde específicos –como narcolepsia, apneia obstrutiva do sono e depressão—podem elevar o risco de anormalidades da fase dos sonhos, indica Dasgupta. Se você tem um desses problemas e está sentindo que não dorme o suficiente, consulte um médico do sono. No caso da apneia do sono, por exemplo, diz Dasgupta, "assim que iniciamos o tratamento as pessoas muitas vezes passam a ter mais REM".

É possível priorizar o sono REM?

Embora pesquisas recentes sugiram que as pessoas talvez tenham um pouco mais REM no inverno, a ideia de que é possível melhorar uma fase específica do sono é um mito moderno. "As pessoas querem manipular o sono e ter mais de um estágio específico, mas o corpo não funciona assim", afirma Krieger. A arquitetura natural do sono não é algo com o qual devemos tentar mexer, mas que deve ser protegida.

"Para ter um sono REM saudável é preciso enfocar o sono saudável como um todo e deixar o cérebro se encarregar do resto", diz Gurubhagavatula.

Acordar e se deitar no mesmo horário todos os dias ajuda o cérebro e corpo a saber quando devem repousar, e isso torna o sono mais eficiente, pontua Robbins. Outros comportamentos que ajudam a regular o relógio biológico incluem fazer as refeições em horários regulares e não comer tarde da noite, exercitar-se regularmente, tomar um pouco de sol pela manhã e evitar a luz azul –de dispositivos eletrônicos– à noite.

Gurubhavatula recomenda que sejam seguidas as outras práticas positivas para o sono, como evitar o consumo de álcool e estimulantes como cafeína e nicotina (especialmente no final do dia) e dormir em um ambiente escuro, silencioso e fresco. E não se esqueça da importância de uma rotina de relaxamento para te ajudar a passar da ação para uma noite de repouso e recuperação –incluindo o tempo estranhamente movimentado que o cérebro passa durante o sono REM.

Tradução de Clara Allain

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