Nobel de Física de 2023 vai para pesquisas que abriram as portas para o mundo dos elétrons

Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L'Huillier, a quinta mulher a vencer o prêmio de física, irão repartir igualmente a láurea

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São Carlos (SP)

O Prêmio Nobel de Física de 2023 vai para um trio de pesquisadores que descobriu como usar pulsos brevíssimos de luz para estudar o comportamento dos elétrons, partículas de matéria das quais depende grande parte das tecnologias do século 21.

O franco-americano Pierre Agostini, da Universidade do Estado de Ohio (EUA), o húngaro-austríaco Ferenc Krausz, do Instituto Max Planck de Óptica Quântica, e a francesa Anne L’Huillier, da Universidade Lund (Suécia), dividirão igualmente o prêmio de 11 milhões de coroas suecas (pouco menos de US$ 1 milhão). L’Huillier é a quinta mulher a vencer o prêmio na área de física nos 122 anos de história do Nobel.

"Não tinha certeza se estava sonhando ou se era realidade", disse Krausz ao ser contatado pelo comitê do Nobel para comentar a premiação. Sobre suas descobertas a respeito do movimento dos elétrons, ele declarou: "É sempre empolgante ver algo que ninguém tinha conseguido ver antes. Foi um momento incrível que eu nunca vou esquecer".

Os três pesquisadores trabalham com a chamada física de attosegundos. Um attosegundo equivale a um quintilionésimo de segundo, ou 1 segundo vezes 10-18.

No telão, os ganhadores do Nobel de Física de 2023, durante cerimônia de anúncio dos vencedores
No telão, os ganhadores do Nobel de Física de 2023, durante cerimônia de anúncio dos vencedores - Jonathan Nackstrand/AFP

Na apresentação do prêmio, para deixar claro como é diminuta essa escala, a pesquisadora Eva Olsson, membro do Comitê de Seleção do Prêmio Nobel em Física, foi enfileirando na mesa bandeirinhas com o número 1.000 escrito nelas. Ao se dividir um segundo por 1.000 seis vezes seguidas, chegamos ao attosegundo, explicou Olsson. Existem tantos attosegundos dentro de um único segundo quanto o número de segundos que transcorreram desde a origem do Universo, há quase 14 bilhões de anos.

A emissão de pulsos de luz nessa escala de tempo permite medir o deslocamento de elétrons que acontece, por exemplo, no chamado efeito fotoelétrico. Nesse fenômeno, as partículas de luz (fótons) que atingem um material podem levar à emissão de elétrons a partir desse material.

A capacidade de medir esse e outros processos com alta precisão pode trazer aplicações importantes em áreas como a eletrônica, o desenvolvimento de catalisadores e a medicina.

O comitê do Nobel na Real Academia Sueca de Ciências especificou ainda a contribuição de cada um dos laureados para a pesquisa na área. Segundo a comissão, o primeiro trabalho seminal foi o de Anne L’Huillier, a qual, em 1986, estudou a interação da luz de um laser infravermelho com gases nobres (ou seja, que tendem a não formar moléculas com outros elementos químicos).

O grande problema para os físicos que buscavam examinar diretamente o que acontecia com os átomos e as partículas fundamentais da matéria pode ser comparado à falta de uma régua do tamanho certo para medir esses fenômenos.

A tremenda rapidez do movimento dos elétrons, por exemplo, dificulta a investigação de seu comportamento por meio da luz. As ondas de luz têm um comprimento definido, mais ou menos como os picos que separam as ondas no mar. A questão é que esse comprimento das ondas luminosas, no caso da luz visível ou infravermelha, é grande demais para interagir com a brevidade do comportamento dos elétrons.

Em seu trabalho, porém, a pesquisadora francesa mostrou a possibilidade de usar o laser para produzir "sub-ondas" graças à interação da luz com os elétrons do gás. Para entender como isso funciona, é possível pensar nas ondas de som de um instrumento musical.

Quando alguém toca uma nota num piano, por exemplo, o som emitido é uma mistura da nota "oficial" daquela tecla —um "dó" ou um "ré", digamos— e uma série de sons com frequência maior que os da nota, os chamados sobretons. É a mistura de sobretons que faz com que a mesma nota num violão ou num piano tenha um som diferente para o nosso ouvido, porque ela é específica de cada instrumento.

O trabalho da pesquisadora francesa investigou a presença de análogos desses sobretons musicais quando os elétrons dos gases nobres interagiam com o laser. A luz fazia com que os elétrons adquirissem energia e deixassem temporariamente a vizinhança de seus átomos. Quando a direção da luz mudava, os elétrons retornavam a seus átomos e, para isso, emitiam energia na forma de pulsos de luz ultravioleta, que correspondiam a diferentes sobretons da luz original.

Esse princípio foi utilizado experimentalmente pelos outros ganhadores, Agostini e Krausz, em 2001. Eles descobriram como controlar melhor os sobretons luminosos, de maneira que eles se reforçassem uns aos outros, aumentando sua intensidade. Agostini trabalhou com pulsos consecutivos de luz, com 250 attosegundos de duração, enquanto Krausz analisou pulsos isolados de 650 attosegundos. As pesquisas atuais já baixaram esse limite para algumas dezenas de attosegundos.

Com isso, torna-se cada vez mais viável usar tais pulsos de luz como "microscópios" para acompanhar o comportamento de átomos e elétrons individuais. Trata-se de uma ferramenta com potencial impacto para a criação de aparelhos eletrônicos e mesmo para a medicina, por meio da análise detalhada da estrutura de moléculas do organismo, por exemplo.

Histórico recente do Nobel de Física

O prêmio de 2022 foi para três laureados: Alain Aspect, John F. Clauser e Anton Zeilinger, por suas pesquisas em física quântica e as aplicações que suas descobertas podem ter para novas tecnologias.

Em 2021 o prêmio foi para o estudo de sistemas complexos, dentre eles os que permitem a compreensão das mudanças climáticas que afetam nosso planeta. Os vencedores foram Syukuro Manabe, dos Estados Unidos, e Klaus Hasselmann, da Alemanha, por modelarem o clima terrestre e fazerem predições sobre o aquecimento global. Outra metade do prêmio ficou com Giorgio Parisi, da Itália, que revelou padrões ocultos em materiais complexos desordenados, das escalas atômica à planetária, em uma contribuição essencial à teoria de sistemas complexos, com relevância também para o estudo do clima.

A descoberta de buracos negros e o impacto disso na compreensão do Universo levaram o Nobel de Física de 2020. A láurea foi dividida entre Roger Penrose, Reihard Genzel e Andrea Ghez.

O prêmio

Desde 1901, 116 Prêmios Nobel de Física foram entregues para 221 pessoas.

O início da premiação se deu em razão da morte do químico sueco Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite e responsável pelo desenvolvimento de borracha e couro sintético. O cientista registrou, no total, 355 patentes durante toda sua vida.

No seu último testamento datado de 1895, Nobel registrou que sua fortuna deveria ser destinada para a construção de um prêmio —o que foi recebido por sua família com contestação. Depois de seis anos, enfim, o desejo de Nobel foi atendido e o primeiro prêmio foi entregue.

Indicações

O processo de avaliação para um Nobel de Física começa em setembro do ano anterior à entrega do prêmio. A primeira etapa consiste no envio de aproximadamente 3.000 convites para indicação de nomes que poderiam ser reconhecidos pela homenagem. Os convidados não podem se autoindicar.

Esses convites são endereçados para membros da Academia Real Sueca de Ciências, integrantes do Comitê do Nobel de Física, ganhadores do Nobel de Física, professores de física em universidades e institutos de tecnologia da Suécia, Dinamarca, Finlândia, Islândia e Noruega, e do Instituto Karolinska, em Estocolmo e outros cientistas que a Academia considere adequados para receber os convites.

A instituição também convida professores de pelo menos seis universidades ao redor do mundo. Normalmente, os convites são estendidos para mais centros acadêmicos com o objetivo de assegurar a distribuição adequada de indicações pelos continentes e áreas de conhecimento.

Então, ocorre a análise das centenas de nomes apontados com aplicação de processos, como desenvolvimento de relatórios, para estreitar a seleção. Finalmente, em outubro, a Academia, por votação majoritária, decide quem receberá o reconhecimento.

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior deste texto, havia menção a pulsos velocíssimos de luz, porém essa descrição é incorreta, uma vez que a velocidade da luz é constante. A forma correta é esta: pulsos de luz brevíssimos.

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