Aves serão rebatizadas em inglês para abandonar nomes ligados a racismo e colonialismo

As trocas não ficarão restritas a esses casos; todas as aves com nomes de pessoas serão renomeadas com termos mais descritivos

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Katrina Miller
The New York Times

A AOS (American Ornithological Society, ou, em tradução livre, sociedade ornitológica americana), a organização responsável por padronizar os nomes de aves em inglês nas Américas, anunciou no dia 1º deste mês que renomeará todas as espécies que homenageiam pessoas. Nomes de aves derivados de pessoas, declarou a entidade em um comunicado, podem ser prejudiciais, exclusivos e desviar "o foco, a apreciação ou a consideração das próprias aves".

Isso significa que a Audubon's shearwater (Puffinus lherminieri), encontrada na costa sudeste dos Estados Unidos, não terá mais um nome em homenagem a John James Audubon, famoso ilustrador de aves e proprietário de escravos que se opunha totalmente à abolição.

O Scott's oriole (Icterus parisorum), um pássaro preto e amarelo que habita o sudoeste norte-americano e o México, também receberá um novo nome, que romperá os laços com o general da Guerra Civil dos EUA Winfield Scott, que supervisionou o deslocamento forçado de povos indígenas em 1838 no episódio que ficou conhecido como "Caminho das Lágrimas".

A decisão da organização é uma resposta à pressão de observadores de aves para corrigir o reconhecimento de figuras históricas com passado racista ou colonialista. O processo de renomeação terá como objetivo nomes mais descritivos sobre os habitats ou características físicas das aves e faz parte de um esforço mais amplo na ciência por ambientes mais acolhedores e inclusivos.

Scott's oriole (Icterus parisorum), um pássaro que habita o sudoeste americano e o México; o nome remete ao general da Guerra Civil dos EUA Winfield Scott, que supervisionou o deslocamento forçado de povos indígenas no episódio que ficou conhecido como 'Caminho das Lágrimas' - adobe stock

"Estamos fazendo isso para corrigir alguns erros históricos", disse Judith Scarl, diretora-executiva da AOS (sigla em inglês). Ela afirmou que a mudança pode ajudar a "envolver ainda mais pessoas na apreciação, proteção e estudo das aves".

Defensores da medida disseram que muitos nomes em inglês para pássaros são lembranças degradantes de opressão, escravidão e genocídio, de acordo com uma petição feita em 2020 e endereçada à AOS. O texto foi escrito pela iniciativa Bird Names for Birds (nome de pássaros para pássaros), fundada por dois ornitólogos para questionar a utilização desses nomes, classificados como "estátuas verbais" que refletem valores dos nomes de quem homenageiam.

Porém alguns observadores de pássaros, embora expressem simpatia pela causa, afirmaram que não tinham certeza se essa era a rota certa a seguir. "Não estou muito entusiasmado, mas também não estou muito decepcionado", disse Jeff Marks, ornitólogo do Montana Bird Advocacy.

"Vamos perder um pouco de conhecimento sobre algumas pessoas-chave na história da ornitologia, e isso me entristece", acrescentou Marks. "Mas talvez no geral isso não seja tão importante."

Jordan Rutter, um dos fundadores da Bird Names for Birds, afirmou que a petição foi inspirada por um encontro no Central Park em 2020, quando uma mulher branca fez uma falsa denúncia à polícia de que Christian Cooper, um observador de aves negro, estava ameaçando-a.

"Não foi o alerta determinante", disse Rutter, porém trouxe "questões há muito conhecidas, mas não destacadas, para a comunidade".

O encontro no Central Park inspirou a criação da semana dos observadores negros de pássaros, campanha anual para celebrar as vidas e carreiras dos observadores negros de pássaros, que então desencadeou uma avalanche de iniciativas semelhantes na área de ciências, em meio a um acerto de contas racial em todo o país. Em 2021, a Entomological Society of America (sociedade entomológica da América) iniciou o Projeto de Melhores Nomes Comuns para mudar os nomes de insetos considerados inadequados ou pejorativos. Astrônomos também defenderam a renomeação de grandes telescópios que, segundo eles, desconsideram os nomes de pessoas de grupos marginalizados.

Nas comunidades de observação de aves, os esforços para aposentar nomes problemáticos tiveram diferentes resultados. A Bird Union (união das aves) e a Chicago Bird Alliance (aliança das aves de Chicago) recentemente mudaram seus nomes para evitar uma associação com Audubon. Mas o conselho de diretores da National Audubon Society (sociedade nacional Audubon) votou para manter seu nome neste ano, justificando que a missão da organização transcendeu a história de uma pessoa.

Em 2022, a AOS anunciou a formação de um comitê para determinar como abordar nomes controversos de aves. Os membros do grupo se reuniram a cada duas semanas por meses, discutindo tópicos como a importância da estabilidade do nome e como determinar os critérios para mudar o nome de uma ave.

O anúncio da semana passada é o resultado desse esforço. Em seu comunicado, a entidade americana se comprometeu a alterar todos os nomes de aves derivados de pessoas e a montar um grupo diversificado para supervisionar o processo de renomeação, que incluiria a contribuição do público em geral. Mais de cem espécies de aves nas Américas receberão novos nomes.

"A ideia de mudar um monte de nomes significa, para muitas pessoas —entre as quais eu, inicialmente—, jogar fora muita história", afirmou John Fitzpatrick, ornitólogo da Universidade Cornell. Ele disse que no começo achava que os nomes das aves deveriam ser avaliados caso a caso, mas que discussões posteriores o convenceram de que "não há uma fórmula pela qual possamos descobrir quais nomes são bons o suficiente".

Apenas os nomes comuns em inglês das aves mudarão, uma vez que os nomes científicos —que tradicionalmente estão em latim— são regidos por um conjunto rígido e universal de regras que consideram as relações evolutivas entre as espécies. (Designações latinas baseadas em nomes de pessoas também existem, como Capito fitzpatricki para o "sira barbet", uma ave peruana nomeada em homenagem a Fitzpatrick.)

A decisão de mudar os nomes comuns das aves "faz todo sentido" para Cooper, cuja fama o levou a apresentar um programa de observação de aves da National Geographic. "Não há motivo para ter o nome de uma pessoa associado a uma ave, porque isso não diz nada sobre a ave."

Cooper mencionou o Wilson's warbler (Cardellina pusilla), um pássaro canário com uma característica mancha preta na cabeça. Mudar o nome para algo "como warbler do chapéu preto", disse ele, daria aos observadores de pássaros uma ideia melhor do que procurar.

Mas para Jerry Coyne, biólogo evolucionista da Universidade de Chicago e ávido observador de pássaros, a necessidade de nomes mais descritivos não parecia urgente. Atos como esse "são profundamente prejudiciais à ciência", disse ele. "Não podemos voltar à história da ciência e apagar todos que não eram seres humanos perfeitos." Coyne acrescentou que o esforço para atualizar tantos nomes seria melhor investido em algo mais impactante para a sociedade, como ensinar crianças carentes sobre pássaros.

A entidade AOS planeja iniciar um programa de renomeação no próximo ano, começando com cerca de dez pássaros. Eventualmente, o programa se expandirá para abranger todos os pássaros com nomes homenageados nos Estados Unidos e Canadá, e depois passará para as espécies da América Central e do Sul, que é a extensão da jurisdição de nomeação da sociedade.

Carlos Daniel Cadena, ornitólogo da Universidade dos Andes, na Colômbia, e líder do English Bird Names Committee (comitê de nomes de pássaros, em inglês), espera que as mudanças envolvam uma pequena curva de aprendizado, mas também vê uma nova oportunidade para o público se conectar por meio dos pássaros.

"Vai ser um campo em que todos precisamos aprender juntos", disse Cadena.

Ele observou que o processo pode ser ajustado para aves em países da América Latina, onde as pessoas comumente se referem a elas pelos seus nomes científicos.

Com milhares de espécies nas Américas, os pássaros são tão diversos quanto as comunidades que os apreciam. "Eles são, de longe, a característica mais acessível e amada da biodiversidade em todo o mundo", disse Fitzpatrick. Nomes mais coloridos, segundo ele, aumentariam "a facilidade com que novos observadores de pássaros de todos os tipos" podem apreciá-los.

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