Teste com 'dedo fantasma' sugere por que ouvimos vozes quando não tem ninguém por perto

Cientistas na Suíça reuniram voluntários em laboratório para reproduzir alucinações

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Veronique Greenwood
The New York Times

Há alguns anos, cientistas na Suíça descobriram uma maneira de fazer as pessoas alucinarem. Eles não usaram LSD ou câmaras de privação sensorial. Em vez disso, colocaram-nas em cadeiras e pediram que apertassem um botão que, uma fração de segundo depois, fazia uma haste pressionar suavemente suas costas.

Algumas rodadas depois, os voluntários tiveram a estranha sensação de que havia alguém atrás deles. Diante de uma desconexão entre ações e sensações, suas mentes chegaram a outra explicação: uma presença separada na sala.

Em um novo estudo publicado no periódico Psychological Medicine, pesquisadores do mesmo laboratório usaram a configuração do "dedo fantasma" para investigar outro tipo de alucinação: ouvir vozes. Eles descobriram que os voluntários eram mais propensos a relatar ouvir uma voz quando havia um atraso entre o apertar do botão e o toque da haste do que quando não havia atraso.

Encontro do grupo Ouvidores de Vozes de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
Encontro do grupo Ouvidores de Vozes de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo - Ricardo Benichio 15.dez.22/Folhapress

Os resultados sugerem que as raízes neurológicas das alucinações estão na forma como o cérebro processa sinais contraditórios do ambiente, segundo os pesquisadores.

Ouvir vozes é mais comum do que se imagina, disse Pavo Orepic, pesquisador pós-doutorado da Universidade de Genebra e autor do novo artigo. Em pesquisas, os cientistas descobriram que muitas pessoas sem um diagnóstico psiquiátrico —talvez 5% a 10% da população em geral— relatam ter ouvido uma voz desencarnada em algum momento de suas vidas.

"Na verdade, há uma continuum dessas experiências", disse Orepic. "Então, todos nós alucinamos —em certos momentos, como quando estamos cansados, alucinamos mais, por exemplo— e algumas pessoas são mais propensas a fazer isso."

No novo estudo, assim como em trabalhos anteriores, Orepic e seus colaboradores fizeram com que os voluntários se sentassem em uma cadeira e apertassem o botão que fazia a haste tocar suas costas. Durante algumas sessões, não havia atraso entre o toque no botão e o toque nas costas, enquanto em outras havia um atraso de meio segundo, tempo suficiente para dar aos voluntários a sensação de que alguém estava por perto.

Em todos os testes, os voluntários ouviram gravações de ruído rosa, uma versão mais suave do ruído branco. Algumas gravações continham trechos gravados de sua própria voz, enquanto outras tinham fragmentos da voz de outra pessoa ou nenhuma voz. Em cada teste, os voluntários foram perguntados se tinham ouvido alguém falando.

O estudo descobriu que, quando as pessoas já estavam experimentando a sensação de uma presença fantasmagórica, elas eram mais propensas a dizer que tinham ouvido uma voz quando não havia nenhuma. Além disso, ouvir uma voz inexistente era mais provável se, anteriormente no experimento, elas tivessem ouvido explosões de ruído com a voz de outra pessoa nelas.

Isso sugere que o cérebro estava associando a presença alucinada e a voz, disse Orepic.

Curiosamente, os voluntários sem atraso entre apertar o botão e sentir o toque nas costas às vezes relataram ouvir uma voz inexistente também, e eram mais propensos a fazê-lo se tivessem ouvido recentemente trechos de sua própria voz. Se os voluntários inconscientemente decidissem que eram responsáveis pela sensação do dedo em suas costas, eles podem ter sido preparados para ouvir sua própria voz, disseram os pesquisadores.

Em conjunto, os resultados apoiam a ideia de que as alucinações podem surgir da dificuldade em reconhecer as próprias ações, bem como de estar preparado para esperar um resultado específico, disse Orepic.

Com o passar do tempo, as pessoas que experimentavam uma presença fantasmagórica no teste tinham cada vez mais chances de ouvir vozes, o que sugere que o cérebro estava de alguma forma se baseando em experiências passadas para construir a impressão de alguém falando.

Aprofundar mais sobre como o cérebro constrói a impressão de uma voz quando não há nenhuma, disse Orepic, pode depender da ajuda de pessoas saudáveis que ouvem vozes regularmente —por exemplo, médiuns que sentem que podem se comunicar com os mortos.

Ele cita estudos em andamento em Yale com essas pessoas que ouvem vozes como um caminho para entender como essas crenças surgem e como podem ser controladas. Para os médiuns, ouvir vozes não é necessariamente indesejado. Mas talvez, com a ajuda deles, pessoas cujas alucinações são angustiantes e perturbadoras possam encontrar alguma paz.

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