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Exatamente quanto de vida há na Terra?

Células vivas superam em número as estrelas no universo, de acordo com novo estudo

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Dennis Overbye
The New York Times

De acordo com um cálculo recente feito por uma equipe de biólogos e geólogos, existem mais células vivas na Terra —um milhão de trilhões de trilhões, ou 10^30 na notação matemática, um 1 seguido por 30 zeros— do que estrelas no Universo ou grãos de areia em nosso planeta.

O que faz certo sentido. A esmagadora maioria dessas células são micróbios, muito pequenos para serem vistos a olho nu; muitos deles são cianobactérias, pequenas bolhas de energia e química que trabalham nas plantas e nos mares, montando a vida como a conhecemos e aproveitando a luz solar para produzir o oxigênio de que precisamos para respirar.

Ainda assim, fiquei perplexo que tal cálculo pudesse ser realizado. Tenho incomodado astrobiólogos ultimamente sobre o que isso significa. A Terra poderia abrigar ainda mais vida? Poderia ter menos? Quanta vida é demais?

Trecho do rio Manicoré corta a floresta amazônica no estado do Amazonas - Mauro Pimentel - 7.jun.22/AFP

"A grande conclusão é que isso realmente estabelece a Terra como um ponto de referência para a planetologia comparativa", disse por email Peter Crockford, um geobiólogo da Universidade Carleton em Ottawa, Ontário, e autor principal de um relatório publicado em outubro deste ano na revista Current Biology. A descoberta "nos permite fazer perguntas mais quantitativas sobre as trajetórias alternativas que a vida poderia ter tomado na Terra e quanta vida poderia ser possível em nosso planeta".

Por exemplo, ele disse, e se a fotossíntese —essa milagrosa transformação da luz solar em alimento e oxigênio— nunca tivesse evoluído?

A pergunta destaca a longa e subestimada relação entre a geofísica e a biologia.

Como Michael Kipp, da Universidade Duke, que não fez parte do estudo, escreveu em um artigo do Current Biology Dispatches: "No vasto cenário cósmico, talvez existam planetas que vivem rápido e morrem jovens, enquanto outros são lentos e estáveis. Onde a Terra se encaixa nesse espectro?"

Caleb Scharf, um astrobiólogo do Centro de Pesquisa Ames da Nasa em Mountain View, Califórnia, ecoou Crockford. "Houve uma série de trabalhos interessantes nos últimos anos em que as pessoas deram um passo atrás para realmente pensar sobre as maneiras pelas quais a vida se imprime em um planeta", ele escreveu em um email.

Ele chamou o artigo de Crockford de "uma espécie de forma neogaiana de olhar as coisas", referindo-se à hipótese de Gaia, proposta na década de 1970 por James Lovelock, de que a vida e o ambiente trabalham juntos para manter um planeta habitável.

De acordo com o registro fóssil, a geologia e a evolução têm se envolvido em uma dança há 3,8 bilhões de anos, desde que nosso planeta tinha apenas 700 milhões de anos. Foi então que os primeiros seres unicelulares apareceram, talvez em fontes hidrotermais submarinas, alimentando-se da energia química ao seu redor.

A população de células tem crescido exponencialmente desde então, mesmo por meio de desastres geológicos e eventos de extinção, que abriram novos caminhos para a evolução.

As sementes para a vida animal foram plantadas em algum momento do passado distante, quando alguma bactéria aprendeu a usar a luz solar para dividir moléculas de água e produzir oxigênio e açúcar. Há 2,4 bilhões de anos, com a fotossíntese bem estabelecida, a quantidade de oxigênio na atmosfera começou a aumentar dramaticamente. O Grande Evento da Oxidação "foi claramente o maior evento na história da biosfera", disse Peter Ward, paleontólogo da Universidade de Washington.

Sem a fotossíntese, o resto da criação teria pouco para comer. Mas ela é apenas um fio em uma teia de retroalimentações geológicas pelas quais o clima, os oceanos, os micróbios e os vulcões conspiram para manter o globo basicamente estável e quente e permitir o crescimento da vida.

O ciclo carbonato-silicato, por exemplo, regula a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera; o gás retém calor e mantém o planeta temperado e principalmente estável. A chuva lava o dióxido de carbono do ar e o leva para o oceano; os vulcões o liberam novamente do submundo. Como resultado, Crockford e seus colegas estimam que um trilhão de gigatoneladas de carbono foram recicladas de gás para vida e vice-versa ao longo dos milênios. Isso é cerca de cem vezes mais carbono do que existe na Terra, o que sugere que, em princípio, cada átomo de carbono foi reciclado cem vezes.

Peixes próximos a recife de coral na Flórida (EUA) - Joseph Prezioso - 14.jul.23/AFP

O surgimento das cianobactérias desencadeou o que é conhecido como a Explosão Cambriana, cerca de 550 milhões de anos atrás, quando criaturas multicelulares —animais— apareceram em profusão repentina e esplendorosa no registro fóssil. Estávamos prontos para as corridas darwinianas.

Crockford e seus colegas perceberam que poderiam rastrear o crescimento populacional das células ao longo do tempo, medindo isótopos minerais e a quantidade de oxigênio em rochas antigas. Como resultado, eles foram capazes de estimar a vida total que a Terra produziu desde o seu início —cerca de 10^40 células, aproximadamente 10 bilhões de vezes mais do que existe atualmente.

Embora esse número pareça enorme, ele representa apenas 10% de todas as células que surgirão até o momento em que a cortina cair sobre a vida na Terra daqui a um bilhão de anos. Conforme o Sol envelhece, ele se tornará mais brilhante, dizem os astrônomos, amplificando a erosão e a lavagem do dióxido de carbono. Ao mesmo tempo, à medida que o interior da Terra esfria gradualmente, a atividade vulcânica diminuirá, interrompendo o reabastecimento do gás de efeito estufa.

Como resultado, Crockford disse: "É improvável que a biosfera da Terra cresça além de um total de ∼10^41 células ao longo de toda a vida habitável do planeta".

Mas, por enquanto, Crockford e seus colegas escreveram em seu artigo: "A extensão das taxas relativamente altas de produtividade primária de hoje provavelmente comprimirá mais vida em menos tempo". Quanto mais células houver, mais vezes elas se replicarão, produzindo mais mutações, explicou Crockford. Nós, habitantes da biosfera da Terra, temos bilhões de anos de surpresas pela frente.

No que diz respeito a outros planetas, ele acrescentou, ainda temos apenas informações básicas sobre seus tamanhos e habitabilidade e nossas imaginações. Alguns dos candidatos mais propensos a abrigar vida extraterrestre são mundos oceânicos cobertos de gelo que são as luas de Saturno e Júpiter —como Europa, em breve a ser visitada por um novo explorador robótico, o Europa Clipper.

Se houver vida nesses oceanos, é provável que seja primitiva, disse Crockford, pois esses ambientes frios não possuem energia suficiente para impulsionar a evolução.

"No entanto", ele disse, "torna-se extremamente interessante pensar em como a biosfera de tais luas geladas mudará quando o sol ficar mais brilhante."

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