Gorila de 51 anos faz veterinários enfrentarem dilema sobre tratamento

Winston está recebendo cuidados invejáveis, mas médicos se questionam até que ponto podem dar qualidade de vida ao paciente

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Paula Span
The New York Times

Neste mês, enquanto o paciente estava anestesiado em uma mesa, uma cardiologista fez uma incisão de pouco mais de um centímetro em seu peito. Ela removeu um pequeno monitor cardíaco que estava com baterias fracas e implantou um novo.

O paciente, como muitos homens mais velhos, havia sido diagnosticado com doença cardíaca; o monitor forneceria dados contínuos sobre a frequência cardíaca e o ritmo, alertando seus médicos sobre irregularidades.

Fechar a incisão exigiu quatro pontos. Em algumas horas, o paciente, um gorila chamado Winston, se juntaria novamente à sua família no San Diego Zoo Safari Park, nos Estados Unidos.

"Winston, aos 51 anos, é um gorila macho muito velho", disse Matt Kinney, veterinário sênior da San Diego Zoo Wildlife Alliance que liderou a equipe médica durante o procedimento. Com cuidados de saúde aprimorados, nova tecnologia e melhor nutrição, "vemos animais vivendo mais tempo e também mais saudáveis por mais tempo", acrescentou ele.

Gorila aparece focado na imagem e está olhando para a frente
O gorila Winston, 51, no San Diego Zoo Safari Park, nos Estados Unidos - San Diego Zoo Wildlife Alliance via The New York Times

No "cuidado gerenciado por humanos" (o termo "em cativeiro" não é mais usado em zoológicos), os gorilas podem viver duas décadas além da expectativa de vida de 30 a 40 anos que é comum na natureza e, também, mais do que os gorilas de zoológico viviam décadas atrás.

Assim como ocorre com humanos, no entanto, o envelhecimento também traz doenças crônicas que exigem testes, diagnóstico e tratamento. Os gorilas costumam desenvolver doenças cardíacas, a principal causa de morte tanto para eles quanto para nós.

Agora as perguntas para os cuidadores de Winston se assemelham às que os médicos e pacientes humanos mais velhos enfrentam: Quanto tratamento é demais? Qual é a compensação entre vida prolongada e qualidade de vida?

O cuidado geriátrico da vida selvagem tem se tornado cada vez mais sofisticado, segundo Paul Calle, veterinário-chefe da Wildlife Conservation Society, sediada no Zoológico do Bronx, na cidade de Nova York. "O conhecimento médico e cirúrgico das pessoas pode ser aplicado diretamente."

Parece mais com o cuidado geriátrico humano. Para manter os gorilas saudáveis, os veterinários do zoológico não apenas recorrem a tecnologias e medicamentos desenvolvidos para humanos, mas também consultam especialistas médicos, como cardiologistas, radiologistas, obstetras e dentistas.

Winston, por exemplo, toma quatro medicamentos comuns para o coração que as pessoas tomam, embora em dosagens diferentes. (Ele pesa 200 quilos) O monitor cardíaco que ele recebeu, menor que um pen drive, também é implantado em humanos. Winston recebeu sua vacina anual contra a gripe no outono (no hemisfério norte) e está passando por fisioterapia para artrite.

Winston é tão gentil, um pai incrivelmente tolerante, ele ainda permite que sua filha mais nova pegue comida da boca dele

Jim Haigwood

curador de mamíferos no San Diego Zoo Safari Park

"Estamos buscando proporcionar conforto a esses animais na fase final da vida", disse Kinney.

Isso não é barato: havia quase 20 médicos, técnicos e outros funcionários na sala de cirurgia quando Winston recebeu seu novo monitor. Mas a San Diego Zoo Wildlife Alliance, organização mãe do zoológico e do parque safari, cobre os cuidados de Winston por meio de seu orçamento operacional anual. Doadores e parceiros compensam algumas despesas adicionais.

"Nenhum de nossos animais tem plano de saúde e eles nunca pagam suas contas", observou Kinney.

Vários dos cuidadores de longa data de Winston, chamados especialistas em cuidados com a vida selvagem, aposentaram-se. Mas Winston, que alcançou o status de macho dominante com a idade, continua no trabalho, gerenciando seu "bando" de cinco gorilas, mantendo a paz e intervindo em brigas quando necessário.

"Ele é tão gentil, um pai incrivelmente tolerante", disse Jim Haigwood, curador de mamíferos no San Diego Zoo Safari Park. "Ele ainda permite que sua filha mais nova pegue comida da boca dele."

O zoológico introduziu duas vezes fêmeas com filhos no bando, o que na natureza poderia levar ao infanticídio. Mas os cuidadores de Winston acreditavam que ele seria aceitável, e ele foi.

Gorila está deitado sobre maca diante de veterinário, que segura um tubo em seu nariz
Winston durante procedimento em clínica veterinátia próxima do San Diego Zoo Safari Park, nos EUA, em 2021 - San Diego Zoo Wildlife Alliance via The New York Times

"Ele criou esses machos como se fossem seus próprios filhos", disse Haigwood. (Uma vez que se tornaram adolescentes agitados, no entanto, foram realocados em seu próprio habitat, uma opção que os pais humanos ocasionalmente podem invejar.)

Winston, um gorila-ocidental-das-terras-baixas nativo da África Central, chegou ao Zoológico de San Diego em 1984. Ele desfrutou de boa saúde até 2017, quando seus cuidadores notaram "uma desaceleração geral", disse Kinney, que organizou o primeiro ecocardiograma de Winston.

O teste mostrou apenas "algumas mudanças sutis, nada alarmante", disse Kinney. Todos ficaram aliviados. Envelhecimento normal.

Então, em 2021, todo o grupo contraiu o coronavírus, provavelmente transmitido por um humano. Assim como nos pacientes humanos, a idade importava.

"Winston foi o mais afetado", disse Kinney. "Ele apresentou tosse, letargia significativa, falta de apetite." O gorila começou a se apoiar em objetos enquanto caminhava.

Após uma infusão de anticorpos monoclonais, Winston se recuperou. Agora, todo o grupo foi vacinado e recebeu reforço contra o vírus.

Mas enquanto Winston estava sendo tratado, os veterinários e médicos humanos realizaram outros testes que identificaram problemas de saúde preocupantes. O coração de Winston começou a bombear com menos eficiência. Isso levou à inclusão diária de medicamentos para pressão arterial e coração, escondidos em sua comida, e ao monitor implantado. Ele também toma ibuprofeno e acetaminofeno para artrite em sua coluna, quadris e ombros.

Mais preocupante foi uma tomografia computadorizada e uma biópsia que mostraram um tumor cancerígeno danificando o rim direito de Winston. O diagnóstico resultou em uma conversa sobre riscos versus benefícios para avaliar decisões sobre tratamento invasivo em pacientes mais velhos —uma conversa que muitas vezes é ignorada para os seres humanos.

Alguns aspectos do envelhecimento saudável podem ser mais fáceis para primatas de zoológico do que para as pessoas; seus cuidadores oferecem apenas escolhas saudáveis. "Eles não fumam", disse Marietta Danforth, diretora do Projeto Coração dos Grandes Primatas, um esforço de pesquisa no Zoológico de Detroit. "Eles não comem cheeseburgers."

Se os médicos, especialistas e cuidadores de Winston concluírem, após extensa discussão, que uma morte indolor é a melhor decisão, "será um processo muito tranquilo", disse Kinney. Após uma overdose de anestesia, "em questão de minutos, ocorre uma parada cardiorrespiratória", explicou ele.

Winston teve anos de alta qualidade, afirmou Kinney. O gorila também se tornou uma personalidade querida da mídia. San Diego lamentará sua perda, seja quando e como acontecer.

Por enquanto, "queremos ter certeza de que Winston está vivendo uma boa vida, que ele está realizado", disse Kinney. "Temos uma boa compreensão do que faz de Winston o Winston".

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