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Cenários 2024

Inteligência artificial pode promover avanços de peso em 2024

Entre as possibilidades estão a decodificação de línguas extintas e a engenharia de proteínas

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Álvaro Machado Dias

Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind

São Paulo

Outro dia eu estava conversando com um amigo muito inteligente e querido que me lembrou da frase ora atribuída ao físico Niels Bohr, ora ao jogador de beisebol Yogi Berra: "É difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro". Rimos. Grande verdade.

O que vem se mostrando cada vez mais viável é a possibilidade de usar indicadores como investimentos, capital intelectual alocado, impacto econômico e viabilidade científica da inovação para modelar cenários e assim reduzir um pouco a incerteza.

Em paralelo, estou convencido de que é fundamental incorporar o "espírito do tempo" nessas análises. A mentalidade de uma época torna certas coisas mais propícias do que outras, a despeito do que indicam os cálculos utilitários baseados em indicadores frios.

Ilustração de inteligência artificial, com luzes e linhas sobrepostas a uma imagem de rosto humano
A inteligência artificial estará presente nos mais amplos domínio do conhecimento humano - Pixabay

Aplicando esse raciocínio, cheguei às quatro tendências abaixo, pelo critério de máxima abrangência nos mais amplos domínios do conhecimento.

Engenharia de proteínas com IA gerando novas estratégias terapêuticas

Aminoácidos ligados de maneira especial apresentam propriedades que não podem ser encontradas em seus componentes e, por isso, recebem um nome específico: proteína. A compreensão das ligações que geram estas propriedades é essencial para o desenvolvimento das mais variadas terapias celulares, eliminação de substâncias tóxicas e muito mais.

Em 2022, o problema da modelagem de proteínas passou a ser considerado "resolvido", com o registro da estrutura tridimensional de todas as conhecidas. O principal responsável foi o AlphaFold, da DeepMind, que vem sendo usado para desvendar centenas de desafios biológicos, da resistência a antibióticos ao surgimento da doença de Parkinson.

Acontece que o objetivo mais amplo não é entender, mas sim prevenir e curar. Esta é a tendência que deve ganhar força em 2024, pelo desdobramento do processo acima na criação em escala de proteínas com funções terapêuticas. Tratamentos clínicos moleculares devem proliferar.

Desenvolvimento de materiais novos usando IA

No finalzinho deste ano, a engenharia de materiais foi chacoalhada pela descoberta de 2,2 milhões de novos materiais, dos quais pelo menos 381 mil têm potencial aplicado.

O feito veio novamente da DeepMind, que desenvolveu a IA GNoME, cuja produção imediata os autores argumentam valer por 800 anos de trabalho humano. Neste momento, há uma intensa movimentação de empresas e governos para converter estes achados em protótipos e mesmo produtos no ano que vem, principalmente em duas áreas: semicondutores e baterias.

A ideia é extrapolar os princípios que levaram à descoberta dos materiais para a simulação de suas propriedades em cenários realistas e também determinar seus encaixes ideais em placas de silício e outras plataformas com IA. A guerra dos chips certamente vai ferver.

Se você é bom(a) observador(a), deve ter notado que existe uma relação profunda entre esta tendência e a anterior. Este é o tal efeito do espírito do tempo. Nós estamos passando da fase da descoberta de coisas que existem, mas que nos dão muito trabalho identificar manualmente, para o de sua translação à prática usando deep learning.

Decodificação de línguas extintas e sistemas de comunicação em outras espécies

Compreender o que as baleias estão dizendo, assim como corvos, elefantes e outros, é o objetivo de iniciativas que usam algoritmos generativos modificados para refinar e dar escala a pesquisas em comportamento animal. Finalmente, as senhoras dos Jardins poderão receber mensagens do seu cachorro no celular.

Dezenas de milhares de horas de empenho estão sendo condensadas pela IA, que deve nos levar aos primeiros resultados em 2024. Parece bastante esforço humano condensado, mas é apenas uma fração do que já investimos em outro processo de decodificação: o das línguas extintas. Basta notar que a tradução dos hieroglifos de uma única fonte, a Pedra de Roseta, tomou 23 anos.

Pois este processo também está começando a mudar pelo uso da IA para a sua decodificação em massa, o que por sua vez deve expor relações ocultas no quebra-cabeças sociolinguístico do passado. Arqueologia, antropologia, história e linguística viverão uma explosão de conhecimento, a partir do ano que vem, com a metodologia que começou a tomar forma pela tradução algorítmica de um milhão de peças da língua acádia para o inglês.

IAs equipando robôs que aprendem por transmissão cultural

Existem muitos desafios que não podem ser enfrentados por algoritmos isolados em servidores, posto que são irredutíveis a registros escritos e mesmo audiovisuais. Exemplos incluem sutilezas relacionais, decodificação contextualizada de moléculas aromáticas (e.g., queijo putrefato pode ser bom, carne putrefata é ruim) e deslocamento em espaços complexos. Nós aprendemos estas coisas por meio de dinâmicas culturais que envolvem os nossos atos e corpos.

A consciência disso deve levar a uma nova fase da IA que chamei de corporificada. O primeiro estudo mostrando como robôs equipados com algoritmos recém-desenvolvidos podem aprender por transmissão cultural acaba de ser publicado, sugerindo que esta abordagem transformadora da mecatrônica e da ciência da computação deve ganhar força no ano que vem, em combinação com o uso de algoritmos generativos do tipo ChatGPT para que robôs "etiquetem o mundo" e assim entendam do que estamos falando quando nos referimos àquilo que existe no mundo real.

Tal como o primeiro par de tendências, este último também é fortemente correlacionado; no caso, pela ampliação do escopo dos algoritmos generativos. Sinal dos tempos, sem dúvida.

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