Descrição de chapéu Estados Unidos

Luzes artificiais de cidades viram armadilha para aves durante migração

Poluição luminosa pode resultar em colisões fatais; pesquisadores fizeram estudo nos EUA com mais de 10 milhões de observações de radares

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lisboa

As longas viagens das aves migratórias —que já precisam enfrentar intempéries climáticas, predadores e o desgaste físico do percurso— têm agora uma desafio adicional: a crescente poluição luminosa nos centros urbanos.

Um novo e abrangente estudo identificou que as luzes artificiais servem como uma espécie de armadilha que atrai os animais para as cidades.

"As cidades representam múltiplos riscos para os pássaros", diz Geoff Henebry, professor da Universidade Michigan State e um dos autores do trabalho.

Nova York vista a partir do distrito de Weehawken - Jeenah Moon - 13.jul.22/Reuters

Além de terem recursos naturais potencialmente mais limitados, como menos alimentos e água, as áreas urbanas concentram ainda prédios e janelas envidraçadas, que representam riscos adicionais ao deslocamento dos bichos.

Os cientistas analisaram mais de 10 milhões de observações de radares meteorológicos, combinadas com informações sobre paisagem, clima e outros dados, para tentar compreender as razões que levam as aves migratórias a escolherem seus pontos de parada durante o percurso.

Entre os 49 fatores analisados, a poluição luminosa foi o segundo principal preditor para a quantidade de animais fazendo um "pit stop" em um determinado local, atrás apenas da elevação dos terrenos.

"Embora ainda não esteja claro por que as aves de migração noturna são atraídas pela luz artificial, é nítido que os migrantes estão mudando os seus comportamentos em resposta a este poluente [luz] em larga escala. Por vezes, a poluição luminosa pode resultar em colisões fatais com estruturas aéreas", diz o trabalho, publicado na Nature Communications.

Em um exemplo extremo deste fenômeno, quase mil aves morreram, em 4 e 5 de outubro deste ano, após colidirem com um centro de convenções às margens do lago Michigan, em Chicago.

Ainda que esse prédio em particular seja um ponto conhecido de choque para os pássaros, a escala da "carnificina" surpreendeu. As imagens dos animais sem vida, enfileirados, contribuíram para aumentar a visibilidade desse fenômeno.

Especialistas estimam que, apenas nos Estados Unidos, mais de 1 bilhão de aves morram, anualmente, devido a colisões com prédios, janelas e fachadas envidraças. Não há estatísticas para o Brasil, mas ambientalistas consideram que a situação também seja problemática no país.

O artigo, que utilizou dados e se concentrou apenas na situação nos EUA, utilizou ferramentas de inteligência artificial e de análise de big data para identificar e prever as regiões com maior potencial de se tornarem paradas de grandes quantidades de aves em suas jornadas migratórias.

A ideia é que esse material possa servir também para orientar políticas públicas para evitar a mortandade de animais.

"Com a perda de 28% da população de aves migratórias nas últimas cinco décadas e muitas regiões tornando-se mais secas, com menos cobertura florestal e mais luminosas à noite, preservar os locais de parada importantes e ecologicamente funcionais é cada vez mais importante", diz o artigo.

A poluição luminosa também pode causar riscos concretos aos humanos, como perturbações no ritmo circadiano, espécie de relógio interno do corpo que regula o ciclo de sono e vigília. Essas alterações podem contribuir para agravar diversos problemas de saúde.

Na avaliação de Kyle Horton, professor assistente na Universidade Colorado State e autor principal do trabalho, a poluição luminosa muitas vezes é menosprezada. "Nós nem sempre pensamos na luz como um poluente, mas ela se enquadra em todos os requisitos do que é poluição."

.
Em outubro deste ano, quase mil aves morreram após colidirem com vidros do centro de convenções às margens do lago Michigan, em Chicago, segundo o museu Field. O museu disse ter sido o maior número registrado em 40 anos - Daryl Coldren/Field Museum

Como muitas das aves migram durante à noite, os cientistas argumentam que a redução das luzes artificiais nas cidades no período noturno seria uma das principais maneiras para diminuir as fatalidades.

Enquanto medidas desse tipo ainda parecem uma realidade distante em muitas regiões, os pesquisadores e ambientalistas têm concentrado esforços em meios de redução de danos, como plataformas de monitoramento das migrações.

Por meio de sites como o BirdCast, é possível ter informação em tempo real sobre os deslocamentos dos bichos. Isso possibilita, por exemplo, implementar medidas pontuais de urgência para salvaguardar animais durante dias de pico das movimentações nos céus.

Os especialistas sugerem ainda alternativas para a adaptação, como a modernização de janelas e de outras superfícies envidraçadas usando adesivos especiais. Atualmente, já há decalques específicos que ajudam a sinalizar para os pássaros a existência de uma barreira.

A redução do brilho e a suavização das cores também contribuem para diminuir o potencial de atração que as luzes têm na vida selvagem.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.