Mancha solar do tamanho de 60 Terras surpreende cientistas

Buraco coronal é fonte de tempestades geomagnéticas, que podem interferir em equipamentos na Terra

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São Paulo

Um fenômeno solar chamou a atenção da comunidade científica neste início de dezembro. Entre os dias 4 e 5 apareceu na superfície do Sol uma mancha gigantesca de cerca de 800 mil quilômetros de extensão, do tamanho de 60 Terras, indicando a presença de uma tempestade geomagnética, que, dependendo de sua intensidade, pode provocar danos no campo magnético da Terra.

A surpresa dos cientistas se deu porque a mancha, conhecida como buraco coronal, apareceu no momento em que o Sol está chegando ao auge do seu ciclo de 11 anos, conhecido como máximo solar, que deve ocorrer em 2024. Segundo o Centro de Predições do Tempo Espacial, da Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), esses fenômenos costumam aparecer maiores e com mais frequência no mínimo solar, quando a atividade é menor na estrela.

Na imagem divulgada pelo Observatório de Dinâmica Solar da Nasa (agência espacial americana), a mancha aparece como áreas escuras na coroa solar. No entanto, elas só são visíveis por meio de aparelhos óticos que mostram raios ultravioleta extremos (EUV) e raios-X suaves.

Imagem da mancha solar, ou buraco coronal, de cerca de 800 mil quilômetros de extensão que apareceu na superfície do Sol entre os dias 4 e 5 de dezembro
Imagem da mancha solar, ou buraco coronal, de cerca de 800 mil quilômetros de extensão que apareceu na superfície do Sol entre os dias 4 e 5 de dezembro - Nasa/SDO/Divulgação

Segundo o NOAA, eles aparecem escuros porque são regiões mais frias e menos densas do que o plasma ao redor e são regiões de campos magnéticos abertos, que permitem que o vento solar escape mais facilmente e com maior velocidade para o espaço, resultando em correntes conhecidas como de alta velocidade.

"É importante dizer que os buracos coronais são fenômenos comuns. São regiões em que o campo magnético do Sol possui linhas abertas, direcionadas para o meio interplanetário. É óbvio que um buraco coronal desse porte, cerca de 60 vezes o tamanho da Terra, é algo que chama atenção. Mas o fenômeno é comum, talvez a extensão deste buraco coronal em especial seja rara, mas com certeza já tivemos buracos de extensões semelhantes", diz Marcel Nogueira de Oliveira, professor do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense.

Cientistas americanos previam que essa tempestade geomagnética poderia chegar ao nível de intensidade G2, que pode causar danos a transformadores na superfície terrestre e interferir no controle de naves espaciais, por exemplo. No entanto, ele ficou no menor nível (G1).

O único efeito visível para os humanos é a aurora boreal, as nuvens brilhantes e coloridas que normalmente aparecem nos polos do planeta, mas que, de acordo com a intensidade da tempestade geomagnética, podem ser vistas em latitudes cada vez mais baixas, ou seja, mais próximas à linha do Equador.

Para uma melhor compreensão das pessoas comuns, o NOAA criou uma escala das tempestades geomagnéticas, com cinco níveis: G1 (menor), G2 (moderado), G3 (forte), G4 (severo) e G5 (extremo). Quanto mais forte a intensidade, mais raros são os fenômenos durante o ciclo solar de 11 anos.

O último grande buraco coronal que apareceu no Sol foi em abril deste ano. Aquele, no entanto, provocou uma tempestade geomagnética que atingiu o pico como um nível G4, surpreendendo os especialistas. A inesperada força da tempestade não apenas tornou as auroras visíveis até o Novo México, nos EUA, mas também forçou a empresa de voos espaciais Rocket Lab a adiar um lançamento de foguete por 90 minutos, segundo o site Space.com.

De acordo com o The Washington Post, as duas maiores tempestades geomagnéticas de que se tem notícia ocorreram em 1859 e em 1921. A primeira, que ficou conhecida como Evento Carrington, em setembro daquele ano, provocou auroras até o Taiti, que está a apenas 1.950 quilômetros da linha do Equador. E picos de eletricidade paralisaram os sistemas telegráficos do mundo, interrompendo as mensagens.

A outra ocorreu em maio de 1921, interrompendo e danificando os sistemas telefônicos e telegráficos dos Estados Unidos e dos países da Europa. Há relatos de estações telegráficas que pegaram fogo após serem atingidas pela tempestade. A aurora foi vista no estado americano da Califórnia.

"Talvez um dos mais famosos blackouts conhecidos devido à intensidade de tempestades geomagnéticas ocorreu em março de 1989. O evento deixou Québec, no Canadá, e parte da Nova Inglaterra (EUA) sem energia", destaca Nogueira de Oliveira. "O prejuízo foi da ordem de US$ 10 milhões. E estamos falando de 1989, uma era não tão longínqua assim, mas que não dependíamos tanto de interações via sistemas de comunicação. Algo assim, nos dias de hoje, onde transferências bancárias, relações sociais etc., são feitas na palma da nossa mão, com o uso de celulares, causaria um prejuízo muito maior."

"O problema de uma tempestade G5 não é só nas redes elétricas, mas nas tubulações metálicas de gás e óleo, já que as correntes induzidas aumentam drasticamente a corrosão, e na saúde das pessoas em voos transpolares, devido à incidência de radiação ionizante", explica Kepler Oliveira, professor titular da UFRGS e membro da ABC (Academia Brasileira de Ciências), citando que desde o ano 2000 já ocorreram nove tempestades geomagnéticas de nível G5 na Terra. A última foi em 11 de setembro de 2005.

Confira os impactos das tempestades geomagnéticas na Terra:

G1 (menor) - frequência de 1.700 casos por ciclo de 11 anos do Sol

  • Sistemas de energia: flutuações fracas na rede elétrica podem ocorrer.
  • Operações espaciais: possível impacto menor nas operações de satélite.
  • Outros sistemas: animais migratórios são afetados nesses níveis e acima; aurora é comumente visível em altas latitudes (próximas ao polo norte).

G2 (moderado) - frequência de 600 por ciclo

  • Sistemas de energia: sistemas de energia em altas latitudes podem apresentar alarmes de voltagem e tempestades de longa duração podem causar danos a transformadores.
  • Operações de espaçonaves: ações corretivas na orientação podem ser necessárias pelo controle terrestre; possíveis mudanças na resistência do arrasto afetam as previsões de órbita.
  • Outros sistemas: a propagação de rádio de alta frequência pode enfraquecer em latitudes mais altas, e auroras foram vistas tão baixas quanto Nova York e Idaho (tipicamente a 55° de latitude geomagnética).

G3 (forte) - frequência de 200 por ciclo

  • Sistemas de energia: correções de tensão podem ser necessárias, alarmes falsos podem ser acionados em alguns dispositivos de proteção.
  • Operações espaciais: pode ocorrer carga superficial em componentes de satélite; o arrasto pode aumentar em satélites de órbita baixa da Terra e correções podem ser necessárias para problemas de orientação.
  • Outros sistemas: pode ocorrer navegação por satélite intermitente e problemas de navegação por rádio de baixa frequência; o rádio de alta frequência pode ser intermitente e auroras foram vistas tão baixas quanto Illinois e Oregon (tipicamente a 50° de latitude geomagnética).

G4 (severo) - frequência de 100 por ciclo

  • Sistemas de energia: possíveis problemas generalizados de controle de tensão e alguns sistemas de proteção podem desligar erroneamente a rede.
  • Operações de espaçonaves: podem ocorrer problemas de carga e rastreamento na superfície, correções podem ser necessárias para problemas de orientação.
  • Outros sistemas: correntes induzidas em dutos afetam medidas preventivas; propagação de rádio de alta frequência esporádica, navegação por satélite degradada por horas, navegação por rádio de baixa frequência interrompida e aurora foi vista tão ao sul quanto Alabama e norte da Califórnia (tipicamente a 45° de latitude geomagnética).

G5 (extremo) - frequência de 4 por ciclo

  • Sistemas de energia: problemas generalizados de controle de tensão e problemas no sistema de proteção podem ocorrer, alguns sistemas de rede podem experimentar colapso completo ou apagões. Transformadores podem sofrer danos.
  • Operações de espaçonaves: podem ocorrer carregamentos extensivos na superfície, problemas de orientação, comunicação de subida/descida e rastreamento de satélites.
  • Outros sistemas: as correntes em dutos podem atingir centenas de amperes, a propagação de rádio em alta frequência pode ser impossível em muitas áreas por um a dois dias, a navegação por satélite pode ser degradada por dias, a navegação por rádio de baixa frequência pode ficar fora do ar por horas e auroras foram vistas tão ao sul quanto a Flórida e o sul do Texas (tipicamente a 40° de latitude geomagnética).

Fonte: Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA)

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