Nova corrida espacial pode gerar poluição em níveis ainda desconhecidos

Com poucas normas, teme-se que futuro da estratosfera esteja nas mãos de Elon Musk e Jeff Bezos

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Foguete deixa rastro de fumaça no céu

Starship, da SpaceX, durante segundo voo de teste, em novembro do ano passado Timothy A. Clary/AFP

Shannon Hall
The New York Times

A perseguição em alta altitude começou sobre o Cabo Canaveral, na Flórida, em 17 de fevereiro de 2023, com o lançamento de um Falcon 9 da SpaceX. Thomas Parent, piloto de pesquisa da Nasa, estava quando o foguete subiu além da asa direita, deixando-o hipnotizado antes de acelerar.

Por cerca de uma hora, Parent mergulhou dentro e fora da pluma deixada pelo foguete, enquanto Tony Casey, o operador de equipamento de sensor a bordo do jato, monitorava 17 instrumentos científicos.

Os pesquisadores esperavam usar os dados para provar que poderiam capturar a pluma de um foguete e, então, observar os efeitos ambientais de um lançamento espacial.

Nos últimos anos, o número de lançamentos de foguetes aumentou drasticamente, com empresas comerciais —sobretudo a SpaceX, de Elon Musk— e agências governamentais lançando milhares de satélites em órbita baixa da Terra.

E isso é apenas o começo. Os satélites podem chegar a 1 milhão, exigindo um número ainda maior de lançamentos espaciais, que, por sua vez, podem resultar em mais emissões.

A SpaceX recusou-se a se pronunciar sobre a poluição causada por foguetes e satélites.

Representantes da Amazon e da Eutelsat OneWeb, empresas que também trabalham para a formação de megaconstelações de satélites, disseram que estão comprometidos com operações sustentáveis.

Os cientistas, porém, estão preocupados com a possibilidade de que o aumento de lançamentos espalhe mais poluentes nas camadas intocadas da atmosfera da Terra. E reguladores em todo o mundo, que avaliam alguns riscos desses lançamentos, não estabelecem regras relacionadas à poluição.

Especialistas ressaltam que não querem limitar a economia espacial. No entanto, temem que o avanço da ciência seja mais lento do que a nova corrida espacial, ou seja, que corremos o risco de entender as consequências da poluição causada por foguetes e espaçonaves só quando for tarde demais. Já existem estudos que mostram que as camadas mais altas da atmosfera estão contaminadas com metais provenientes de espaçonaves que se desintegraram ao retornar à Terra.

"Estamos mudando o sistema mais rápido do que a nossa capacidade de entender essas mudanças", disse Aaron Boley, astrônomo da Universidade da Colúmbia Britânica e codiretor do Instituto do Espaço Exterior.

90 segundos

Quando um foguete como o Falcon 9 decola, geralmente leva cerca de 90 segundos para atravessar a troposfera. Foi no topo desta última que Parent começou sua perseguição e depois a ultrapassou, atingindo uma camada onde a densidade do ar é tão baixa que ele e Casey tiveram que usar trajes de pressão e luvas pesadas, além de capacetes que forneciam oxigênio.

Aviões comerciais raramente voam nessas altitudes, tampouco há poluição proveniente do solo. Portanto, é calmo, intocado e vazio —exceto pelo foguete ocasional, que passará por ele por três a quatro minutos a caminho do espaço. Quando um foguete entra em órbita, ele terá liberado em camadas da atmosfera cerca de dois terços de seu exaustor, que os cientistas preveem que cairá e se acumulará na estratosfera.

O ônibus espacial Endeavour durante missão em 2010; em laranja, a troposfera - NYT

A estratosfera é o lar da camada de ozônio, que nos protege da radiação solar prejudicial. No entanto, ela é sensível: mesmo as menores mudanças podem ter enormes efeitos nela —e no mundo abaixo.

Quando o Monte Pinatubo entrou em erupção nas Filipinas em 1991, ele liberou gases suficientes de dióxido de enxofre na estratosfera para desencadear um período de resfriamento na Terra que durou vários anos. Esse gás criou aerossóis de sulfato, que aqueceram a estratosfera enquanto bloqueavam o calor de atingir a superfície da Terra. Alguns cientistas temem que os foguetes possam afetar o clima de maneira semelhante.

Hoje, a exaustão dos foguetes é insignificante em comparação com a da aviação. O temor, contudo, é que mesmo pequenas adições à estratosfera terão um efeito muito maior.

Ascensão

Na década de 1990, quando o ônibus espacial da Nasa e outros foguetes eram lançados consistentemente do solo americano, vários estudos previram que as espaçonaves causariam danos locais à camada de ozônio. Um deles sugeriu uma perda de até 100%, o que significa a formação de um pequeno buraco de ozônio acima do Cabo Canaveral que permitiria que mais radiação ultravioleta do Sol atingisse o solo, aumentando o risco de câncer de pele, catarata e distúrbios imunológicos.

Os estudos se basearam em modelos e previsões, sem dados observacionais. Então, Ross e seus colegas coletaram dados de voos de pesquisa em alta altitude, que encontraram buracos locais de ozônio no rastro do ônibus espacial. Mas eles logo sumiram e não eram grandes o suficiente para afetar o Cabo Canaveral, pelo menos não na frequência dos lançamentos da época, cerca de 25 por ano.

O mesmo pode não ser verdade no futuro. Só em 2023, a SpaceX lançou quase cem foguetes por conta própria, com a maioria dos voos construindo sua constelação de satélites Starlink. Em breve, será acompanhada pela Amazon, que planeja lançamentos frequentes para sua constelação do Projeto Kuiper, e outras empresas que buscam presenças substanciais em órbita. Esses satélites oferecem uma variedade de benefícios, incluindo internet de banda larga quase em qualquer lugar.

Mas uma vez que essas empresas concluam suas constelações de até milhares de satélites, os lançamentos não vão parar. Muitos satélites têm uma vida útil de 5 a 15 anos, exigindo que as empresas de satélite lancem substitutos.

É o início de uma nova era

"Não queremos parar a indústria espacial", disse Karen Rosenlof, cientista do clima no Laboratório de Ciências Químicas da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, que afirma que os satélites fornecem serviços incríveis para as pessoas no solo. Mas ela e outros cientistas defendem um conjunto de regulamentações que considerem as implicações ambientais.

Rosenlof argumenta que existem maneiras de reduzir os impactos da indústria espacial. Por exemplo, se for identificado o nível a partir do qual a indústria espacial começaria a prejudicar o meio ambiente, faria sentido limitar o número de lançamentos e satélites. Outra alternativa seria tentar adaptar os materiais ou combustíveis usados pela indústria espacial.

Mas isso exigiria regulamentações. E hoje já existem poucas.

O Protocolo de Montreal, por exemplo, estabeleceu com sucesso limites para produtos químicos conhecidos por prejudicar a camada de ozônio. Mas não trata de emissões de foguetes ou satélites.

Nos EUA, a Agência de Proteção Ambiental não é responsável por analisar lançamentos de foguetes. A Comissão Federal de Comunicações licencia grandes constelações de satélites, mas não considera seu potencial dano ao meio ambiente. E a Administração Federal de Aviação avalia os impactos ambientais dos lançamentos de foguetes no solo, mas não na atmosfera ou no espaço.

Assim, o futuro da estratosfera pode estar nas mãos de Elon Musk, Jeff Bezos e outros executivos de empresas espaciais privadas.

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