Aquecimento global interfere no cálculo do tempo universal

Degelo altera a distribuição de fluidos na superfície e no interior da Terra

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Juliette Collen
Paris | AFP

O degelo na Groenlândia e Antártica altera a velocidade de rotação da Terra mais rapidamente do que o previsto, a ponto de afetar o cálculo do tempo universal, que determina o bom funcionamento das redes de informática, aponta um estudo divulgado nesta quarta-feira (27).

Desde 1967, o Tempo Universal Coordenado (UCT) é estabelecido por meio de relógios atômicos ultrassensíveis, que marcam a hora de todo o mundo e garantem a precisão das infraestruturas digitais e de comunicação, como a navegação por satélite.

Por razões históricas, foi mantida a sincronia entre o UCT e o tempo astronômico, calculado a partir da velocidade de rotação da Terra, que não é constante. A partir de 1972, decidiu-se compensar as irregularidades adicionando segundos intercalares ao tempo atômico, para que coincidisse com o tempo astronômico.

Iceberg no estreito de Gerlache, que sepera o aquipélago de Palmer da Península Antártica - Juan Barreto - 15.jan.24/AFP

Os segundos intercalares são inseridos cada vez que a defasagem entre as duas medições se aproxima de 0,9 segundo. O último ajuste remonta a 2016, segundo Duncan Agnew, do Instituto de Geofísica da Universidade da Califórnia, em San Diego. Ele é autor de um dos estudos sobre o tema, publicado na revista Nature.

A aceleração do movimento de rotação da Terra, no entanto, traz um problema inverso, pois fará com que o tempo astronômico se antecipe ao atômico, o que obrigaria dentro de alguns anos a introduzir um segundo intercalar negativo.

A novidade preocupa os especialistas em metrologia, uma vez que a introdução de um segundo intercalar negativo traria "problemas sem precedentes em um mundo cada vez mais conectado", afirma Patrizia Tavella, do Escritório Internacional de Pesos e Medidas (BIPM), em um comentário anexo do estudo.

A incerteza provém do fato de que os programas de informática que integram segundos intercalares "supõem que eles são sempre positivos", segundo Agnew.

Terra desacelera

Em parte devido a essa nova situação, metrologistas de todo o mundo concordaram em suprimir o segundo intercalar até 2035. A partir desse ano, planejou-se permitir que a diferença entre a hora atômica e a rotação da Terra aumentasse para um minuto.

Segundo a Nature, no entanto, essa programação pode ser comprometida pelo aquecimento global, devido à aceleração do degelo na Groenlândia e Antártida, que Agnew mediu com observações de satélite.

Desde a década de 1990, o derretimento do gelo desacelera a rotação da Terra, assim como o fazem as marés provocadas pela força gravitacional que a Lua e o Sol exercem sobre o planeta, contrabalançando a aceleração natural.

"Quando o gelo derrete, a água se espalha por todo o oceano, o que altera a distribuição de fluidos na superfície e no interior da Terra", afirma o cientista.

O efeito de desaceleração provocado pelo degelo foi sugerido no fim do século 19 e é medido desde a década de 1950, ressalta Agnew. "A novidade do meu trabalho é mostrar a extensão do impacto do degelo na rotação da Terra, uma mudança nunca vista."

A desaceleração é tamanha que poderia atrasar até 2029 uma eventual transição para o segundo negativo, segundo previsões. Sem os impactos do aquecimento global, isso provavelmente ocorreria em 2026.

Esse adiamento dá um respiro aos metrologistas, que terão "mais tempo para decidir se 2035 é a melhor data para suprimir o segundo intercalar ou se ele deve ser abandonado antes", comentou Patrizia Tavella.

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