Descrição de chapéu tecnologia

Não se pode bloquear o progresso, diz neurocientista sobre implantes da Neuralink

Israelense Alon Chen aposta em aplicações para tratar doenças como Parkinson

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A Neuralink, empresa de Elon Musk, vem causando certa apreensão por causa de seu primeiro teste clínico com um implante cerebral que em tese permite a um paciente com paralisia mover o cursor de um computador com a mente.

Desde o anúncio da cirurgia, ocorrida em 28 de janeiro, não há notícias do estado de saúde do voluntário.

A falta de transparência levanta questões éticas, mas para muitos pesquisadores, a despeito desses problemas, a iniciativa é positiva. Isso segundo Alon Chen, neurocientista e presidente do Instituto Weizmann de Israel.

"É uma preocupação importante, mas na maior parte das vezes, com cada grande salto no conhecimento, teremos questões éticas para resolver. Se deveríamos frear ou parar isso, é meu sentimento pessoal que você não tem como bloquear o progresso e também haverá vantagens fantásticas com esses desenvolvimentos", disse o neurocientista em entrevista à Folha, durante uma rápida passagem pelo Brasil nesta semana. "Acho que é bem empolgante, na verdade, do ponto de vista de um cientista."

Alon Chen, neurocientista e presidente do Instituto Weizmann de Israel
Alon Chen, neurocientista e presidente do Instituto Weizmann de Israel - Karime Xavier/Folhapress

Para ele, a capacidade de ter eletrodos interagindo diretamente com o cérebro tem usos que vão bem além dos atuais experimentos da Neuralink. "Hoje, por exemplo, pegue a doença de Parkinson. Há conceitos similares de implantar eletrodos que podem disparar e ativar neurônios com uma frequência específica e as pessoas não teriam os tremores associados."

Chen reconhece, contudo, que o objetivo final da empresa de Musk –desenvolver uma interface capaz de efetivamente ler e transmitir pensamentos complexos– ainda está muito distante. "É algo muito mais complicado, de certo modo seria uma extensão do nosso cérebro. Ainda precisaremos entendê-lo muito melhor antes que possamos implementar isso."

Como líder do prestigiado instituto de pesquisa israelense, Chen tem uma visão panorâmica dos trabalhos em diversas áreas da ciência em que o Weizmann atua –ele passou pelo Brasil para discutir projetos de cooperação com pesquisadores locais, antes de se encaminhar para o Chile, onde visitaria as obras de construção do GMT (sigla inglesa para Telescópio Gigante Magalhães), projeto de ponta na astronomia que também tem participação brasileira, por intermédio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Mas sua área de especialização é a das neurociências, em particular no estudo do estresse e seus efeitos no cérebro –na qual ele vê grandes avanços em tempos recentes.

"Aprendemos muito recentemente principalmente sobre a ligação entre a nossa inabilidade de controlar, regular, nossa resposta ao estresse, seja estresse traumático, seja estresse leve, mas crônico, e o surgimento de vários tipos de patologias, e não é só de saúde mental. Não é só ansiedade, depressão ou transtornos alimentares pós-traumáticos que têm uma ligação forte com estresse, mas também síndromes metabólicas, ligadas à imunidade e até câncer."

Chen aponta que há um componente genético, para além das circunstâncias ambientais, que tem importância para o surgimento dessas enfermidades, mas o estresse tem também papel preponderante. "Provavelmente é o mais importante fator ambiental que pode afetar sua saúde."

Apesar disso, a preocupação com estresse não costuma aparecer com grande destaque em políticas de prevenção. "Acho que as pessoas se preocupam menos porque, sabe, se um vírus ataca você agora, você ficará doente em dois dias. Quando você é exposto ao estresse leve de forma crônica, é o trabalho, o chefe, o trânsito, não parece ter uma influência, mas ele acumula e depois de 20 anos vira diabetes, depressão. Então as pessoas precisam estar cientes e pensar em como reduzir o nível de estresse ao fazer coisas simples, como atividades físicas, talvez meditação. Há muitas coisas que podem reduzir estresse sem medicação —e falo disso antes que vire uma patologia."

No que diz respeito a tratamentos, no momento há as opções de intervenções químicas – medicamentos– e psicoterapia. Em ambos os casos, segundo Chen, a taxa de sucesso é a mesma, embora nunca se saiba de antemão o que vai funcionar para quem. "A taxa de sucesso de psicoterapia após um ano é praticamente idêntica à taxa de sucesso de qualquer droga disponível no mercado —67%", diz. "E o que acontece depois de um ano é que, se você para de tomar seu medicamento, tem uma boa chance de voltar àquele sentimento. Se você para com a psicoterapia, porque aprende sobre os processos, mais provavelmente ficará bem."

Ele destaca que a situação de manejo do estresse ficou ainda mais complicada em tempos recentes, sobretudo com crianças e adolescentes, por causa da pandemia de Covid. E, claro, os conflitos bélicos ao redor do mundo também não ajudam. "Vimos um aumento dramático de pessoas sofrendo de depressão e ansiedade, estamos vendo aumento de ideação suicida. Agora, em Israel, na guerra, tivemos um aumento de 30% de receitas para ansiedade e depressão."

O mundo passa por tempos difíceis. Há um papel especial para os cientistas nisso? Para Chen, não há dúvida. "É triste que não haja cientistas suficientes querendo se tornar políticos. Se houvesse, acho que esse mundo seria bem diferente. A ciência é extremamente colaborativa, ela não vê fronteiras. Mesmo entre países que são hostis uns com os outros, isso nunca acontece dentro da comunidade científica. Eles são colaborativos por natureza."

"E resolver esses problemas que afetam toda a humanidade –meio ambiente, medicina– só virão com colaborações e parcerias internacionais e o compartilhamento de dados e conhecimento", continua ele. "Então acho que os cientistas têm um papel muito importante e, se você me perguntar qual deveria ser o modelo para crianças e adolescentes, elas hoje querem ser o Messi, mas deveriam querer ser cientistas –essas são as pessoas que vão impactar no futuro da humanidade."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.