Descrição de chapéu The New York Times África

Tesouro fóssil de 74 mil anos revela humanos incrivelmente adaptáveis

Sítio arqueológico na Etiópia abriga as pontas de flechas mais antigas conhecidas e os vestígios de uma grande erupção vulcânica

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Carl Zimmer
The New York Times

Em 2002, paleoantropólogos trabalhavam em um ponto no noroeste da Etiópia quando se depararam com pedras lascadas e ossos de animais fossilizados, sinais de que um dia pessoas haviam ocupado aquele lugar.

Após anos de escavações, os pesquisadores descobriram que caçadores-coletores de fato viveram ali há 74 mil anos e, conforme estudo publicado na última quarta (20) na revista Nature, eles eram notavelmente adaptáveis.

Esses habitantes fabricavam flechas para caçar grandes animais e, quando seu mundo foi virado de cabeça para baixo por uma erupção vulcânica, adaptaram-se e sobreviveram.

Pontas de flechas encontradas em sítio arqueológico na Etiópia; segundo pesquisadores, as peças são as mais antigas de que se têm notícia - Blue Nile Survey Project/NYT

A flexibilidade pode ajudar a explicar por que os humanos da mesma era conseguiram se expandir com sucesso para fora da África e se estabelecer na Eurásia, mesmo quando muitas tentativas anteriores haviam falhado.

"Isso aponta para quão sofisticadas as pessoas eram nesse período", disse John Kappelman, paleoantropólogo da Universidade do Texas que liderou o novo estudo.

No local, conhecido como Shinfa-Metema 1, foram encontrados milhares de ossos —alguns com marcas de corte— de gazelas, javalis e até girafas, sugerindo que os humanos estavam caçando essas espécies.

Havia ainda 215 fragmentos de cascas de ovos de avestruz. Uma hipótese é que as pessoas que ocupavam o local tenham comido os ovos ou utilizado as cascas como cantis para armazenar água.

Os cientistas conseguiram datar os fragmentos de casca, que continham pequenas quantidades de urânio em decomposição: 74 mil anos atrás.

Na mesma época, um vulcão na Indonésia chamado Toba liberou vastas quantidades de cinzas e gases tóxicos que se espalharam pelo mundo, bloqueando o sol por meses.

Kappelman inspecionou Shinfa-Metema 1 em busca de sinais da erupção. Ao moer rochas e dissolvê-las em ácido, sua equipe identificou pequenos pedaços de vidro que só poderiam ter se formado em um vulcão. Percebeu-se, então, que havia uma oportunidade de estudar pessoas que sobreviveram a esse grande choque ambiental.

Eles também analisaram 16 mil rochas lascadas e concluíram que eram pontas de flechas, não pontas de lança. Se isso se confirmar em outros estudos, empurrará o registro do uso de arco e flecha para trás por vários milhares de anos.

Essa invenção significou que os caçadores não precisavam ficar a uma curta distância de suas presas. Até mesmo crianças poderiam caçar com flechas, e Kappelman suspeita que as utilizavam para matar sapos cujos ossos ele e seus colegas também encontraram no local.

Quando Toba entrou em erupção, as condições em Shinfa-Metema 1 ficaram severas. A breve estação chuvosa se tornou muito mais curta, e os rios secaram.

Pesquisadores no sítio arqueológico Shinfa-Metema 1 na Etiópia - Lawrence C. Todd/NYT

As mudanças, na avaliação de muitos pesquisadores, forçaram as pessoas a se refugiar em um ambiente acolhedor e onde poderiam sobreviver usando suas práticas antigas. Mas não foi isso o que aconteceu em Shinfa-Metema 1. Lá, o registro fóssil mostra que os humanos se adaptaram: desistiram da caça de mamíferos, conforme suas presas morriam, e passaram a pescar nas águas rasas recém-formadas.

A equipe de Kappelman reuniu pistas sobre como ocorreria a pesca ao observar as práticas dos etíopes modernos que vivem na região. Durante as estações secas, por exemplo, os peixes podem ficar presos em buracos de água isolados. "Literalmente parece peixe em um barril", disse ele. "Achamos que teria sido muito fácil pegá-los."

Aparentemente os efeitos ambientais do Toba em Shinfa-Metema 1 duraram só alguns anos. As chuvas voltaram, assim como os mamíferos, e as pessoas no local começaram a caçá-los novamente.

Para Kappelman, esse local poderia ajudar a resolver o mistério de como os humanos se expandiram para fora da África.

Os cientistas sempre se perguntaram como as pessoas poderiam ter atravessado o Saara e os desertos da Península Arábica para alcançar outros continentes. Especulou-se que isso só poderia ter acontecido durante períodos úmidos, quando essas regiões estavam cobertas de plantas. Humanos poderiam, então, usar suas antigas táticas de sobrevivência ao viajar por essas "rodovias verdes".

No entanto, Kappelman e seus colegas propuseram que os humanos sobreviveram em climas áridos ao rapidamente descobrir novas maneiras de encontrar alimentos, como a pesca.

Durante períodos secos, eles poderiam ter se movido ao longo de rios sazonais enquanto pescavam. Em vez de viajar ao longo de "rodovias verdes", eles viajariam por "rodovias azuis".

Michael Petraglia, diretor do Centro de Pesquisa Australiano para a Evolução Humana, disse que a combinação de evidências arqueológicas e ambientais do tempo da erupção de Toba foi extraordinária. "É incrivelmente raro em qualquer lugar do mundo."

Ele considerou a interpretação convincente, porém ainda prefere a hipótese da "rodovia verde". Ele argumentou que entre 71 mil e 54 mil anos atrás, desertos hiperáridos se estendiam pelo Saara e pela Península Arábica. "Os corredores da 'rodovia azul' praticamente não existiam."

Kappelman questionou se os desertos eram tão severos, observando que o Nilo levava um pouco de água através do Saara até o Mediterrâneo. E, embora tenha reconhecido que um único local não poderia falar por toda a humanidade há 74 mil anos, ele ofereceu um ponto de comparação para outros pesquisadores que podem encontrar locais semelhantes.

"É uma hipótese testável que estamos apresentando", disse ele.

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