Descrição de chapéu Folha Descobertas

Combate ao AVC, ensino e pesquisa fazem brilhar olhos de Eva Rocha

Pesquisadora da Unifesp faz pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde para identificar alvo de pressão para pacientes que tiveram AVC

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São Paulo

O combate a uma das principais causas de morte do mundo, o AVC (acidente vascular cerebral), é o que faz brilhar os olhos de Eva Rocha.

Ela é uma das pesquisadoras escolhidas para participar da série Folha Descobertas, iniciativa da Folha em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein que estreia nesta quarta (3).

"O AVC e o infarto ficam brigando para ver quem será a principal causa de morte", diz a professora de neurologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e neurologista do Hospital Albert Einstein —ela ainda uma das cabeças do podcast Aha! With Jaha, do Journal of the American Heart Association (Jaha).

O olhar direcionado para o AVC veio a partir do doutorado, uma parte do qual foi realizado na Universidade Harvard.

Uma mulher jovem com uma expressão serena e confiante está vestida em trajes formais, consistindo em um blazer creme e um cachecol bege. O fundo neutro destaca sua postura e vestimenta.
A pesquisadora e neurologista Eva Rocha, 34 - Eduardo Knapp/Eduardo Knapp/Folhapress

Caso você não conheça muito sobre esse problema de saúde, aqui vai uma explicação rápida. O AVC afeta o fluxo sanguíneo no cérebro, o que pode levar à morte de neurônios. Com isso, caso a pessoa sobreviva, existe a possibilidade de sequelas, como de fala e motora.

O tipo mais comum é o isquêmico, quando ocorre obstrução do fluxo sanguíneo para o cérebro a partir, por exemplo, de um coágulo em uma artéria. Sem sangue, sem oxigênio, e o resultado é a morte de neurônios.

O outro tipo é o hemorrágico, em que há um sangramento dentro do cérebro.

Mas, apesar de ser comum, grave e potencialmente letal, é possível prevenir a doença, diz Rocha.

Raio-X

  • Nome

    Eva Rocha

  • Idade

    34

  • Cidade de origem

    Mutuípe (BA)

  • Onde mora hoje

    São Paulo (SP)

  • Linha de pesquisa

    AVC

  • Instituições em que atua

    Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e Hospital Albert Einstein

"Em 90% dos AVCs, conseguimos prevenir controlando fatores de risco", afirma a pesquisadora. "Controlando pressão alta, diabetes, colesterol, fazendo atividade física."

Além disso, há o tratamento para o momento em que o AVC já aconteceu —quanto antes começarem os cuidados, melhor.

De volta às pesquisas, em Harvard, Rocha desenvolveu um "score" diagnóstico —ou seja, um mecanismo para ajudar médicos a diagnosticar uma doença— relacionado à síndrome de vasoconstrição cerebral reversível. A doença é pouco reconhecida, não incomum e pode causar um AVC.

Essa síndrome, continua a médica, costuma afetar os mais jovens. Entre os sintomas estão dores de cabeça muito agudas e súbitas, em atividades sexuais e físicas e ao ir ao banheiro. "Junto com essa dor de cabeça, as artérias do cérebro vão se contraindo. Tem uma vasoconstrição e vasodilatação, e isso pode causar tanto AVC isquêmico quanto hemorrágico, ou só dor de cabeça."

A pesquisadora aponta que geralmente em três meses as pessoas melhoram dessa condição. O problema é se um médico achar que se trata de uma inflamação, por exemplo, e receitar corticoides, o que leva à piora dos pacientes. "Então, precisamos fazer o diagnóstico adequado para não causar mal para esses pacientes."

Atualmente, Rocha lidera um estudo multicêntrico do Einstein em parceria, entre outros, com a Unifesp, financiado pelo Ministério da Saúde, para avaliar o alvo de pressão ideal para pacientes que sofreram um AVC.

Alguns sinais de um AVC

  1. Déficit motor

    Como fraqueza no corpo, geralmente de um lado só; boca torta, fraqueza no braço, fraqueza na perna

  2. Alteração de fala

    Fala enrolada e até não conseguir falar ou não conseguir entender o que as pessoas estão falando

A ideia é identificar a melhor pressão para que esses pacientes não voltem a ter AVC. "Já temos estudos mostrando que baixar mais a pressão geralmente é melhor para evitar desfecho cardiovascular, mas não temos muito bem essa informação sobre pacientes com AVC", diz Rocha.

"Antigamente, considerávamos a pressão alta quando a pressão sistólica, que é aquela pressão máxima, estava abaixo de 140, que é o que chamamos de 14. A nossa pergunta é se o alvo de pressão deve ser só abaixo de 140 ou se temos que ter um alvo mais agressivo e mais intensivo de pressão, que seria essa pressão máxima ou sistólica abaixo de 120."

O estudo clínico é randomizado e controlado. "Quando o paciente é incluído no estudo, vamos sortear em que grupo ele ficará. É feito de forma aleatória, se ele vai tratar abaixo de 140 ou abaixo de 120 [a pressão citada anteriormente]", diz a pesquisadora, explicando que é uma forma de minimizar possíveis vieses no resultado da pesquisa

Condutas médicas podem acabar alteradas, a depender do que se encontrar.

Desigualdades pesam no AVC

A professora da Unifesp destaca outro fato sobre o AVC. Diversos dados e estudos apontam que as condições socioeconômicas parecem exercer um peso no surgimento da doença. Em linhas gerais, ocorre mais nas populações mais pobres.

Um estudo de 2023 publicado na Lancet, por exemplo, apontou que as mortes por AVC podem aumentar em até 47%, chegando a quase 10 milhões, por ano, em 2050. Enquanto os números tendem a uma queda em países ricos, nos com rendas baixa e média, grupo do qual o Brasil faz parte, a tendência é o crescimento.

"Temos um termo: cinturão do AVC. São áreas com uma maior morbimortalidade", diz a pesquisadora, citando como exemplo um estudo que constatou isso na periferia paulistana.

Para identificar um AVC, SAMU

Pede-se para o paciente:

  1. Sorrir

  2. Abraço

    A ideia é ver se ele consegue levantar os braços

  3. Música

    Objetivo é tentar ver como está a fala do paciente

  4. Urgente

    Se houver alguma alteração nos comportamentos anteriores, deve-se procurar o serviço de saúde o mais rápido possível

A própria Rocha desenvolveu, com alunos, uma pesquisa com base no DataSUS indicando a existência desse cinturão no país. "Principalmente na área de Norte e Nordeste existe uma maior mortalidade por AVC em relação, por exemplo, à região Sudeste e Sul."

A explicação dessa maior incidência em áreas mais pobres, segundo Rocha, está relacionada, entre outras coisas, com menor acesso à informação de saúde. Este último quadro pode acarretar menor busca pela atenção primária e, consequentemente, falta de tratamento de fatores de risco do AVC, como pressão alta, diabetes, colesterol, além de aconselhamento sobre estilo de vida.

"Se o paciente não consegue ter acesso adequado ao médico que vai acompanhar e tratar esses fatores de risco, é maior a chance de ter problemas mais para a frente", afirma Rocha.

O tratamento da fase aguda, ou seja, quando o AVC já aconteceu, e a posterior reabilitação também são de mais difícil acesso, usualmente, para populações menos favorecidas.

União de ensino, pesquisa e prática

O objetivo de Rocha é ter um impacto positivo no cenário do AVC, o que, para ela, significa inspirar jovens médicos e cientistas a produzir estudos relevantes.

"O caminho do pesquisador não é fácil. Então, acho que todo o apoio da família, dos meus professores, tudo isso foi essencial para conseguir seguir em frente e fazer atividades realmente de impacto", afirma Rocha.

"E queria enviar uma mensagem para os jovens pesquisadores: fazer as coisas que importam no seu tempo, cuidar também da saúde, do relacionamento com amigos, com familiares e focar o que realmente é importante para você. Aí você consegue chegar aos seus objetivos."

E, por fim, o que a pesquisadora-podcaster perguntaria a si mesma?

"O que me encanta no que eu faço e que me dá forças para continuar fazendo e lutando todos os dias?", pergunta a si mesma e, em seguida, responde. "Ter um impacto na vida das pessoas, né? Sou médica e quando a gente faz medicina já tem essa vontade de cuidar, de ter um impacto positivo. E aí, quando juntamos a atividade médica com a pesquisa e o ensino, isso faz a gente ser melhor profissional e melhor pessoa. Isso me faz brilhar os olhos, poder fazer pesquisa, ensinar os alunos e formar bons profissionais que vão também cuidar de pessoas."

A série Folha Descobertas é uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein

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