Com bilionário, missão Polaris Dawn faz 1ª caminhada espacial privada da história

Jared Isaacman e Sarah Gillis deixaram a cápsula Crew Dragon, da SpaceX, por oito minutos cada

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São Paulo

A missão Polaris Dawn, executada em parceria com a empresa SpaceX, realizou com sucesso nesta quinta-feira (12) a primeira caminhada espacial privada da história. Até hoje, todas as atividades desse tipo haviam sido conduzidas por agências governamentais.

Jared Isaacman, o bilionário dono da empresa de pagamentos Shared4, foi o primeiro a deixar brevemente a cápsula Crew Dragon Resilience, da SpaceX, às 7h52 (de Brasília), enquanto ela sobrevoava a região entre a Austrália e a Antártida, a cerca de 700 km de altitude.

Longe de ser uma missão de turismo, o esforço promove avanços reais na exploração espacial, com o desenvolvimento de trajes mais baratos e eficientes para a realização das chamadas EVAs, sigla para Atividades Extra-Veiculares, nome técnico dado às caminhadas espaciais.

A imagem mostra uma vista do espaço com a Terra visível ao fundo. Um astronauta está posicionado em uma estrutura, aparentemente em uma missão espacial. O fundo é predominantemente preto, destacando a curvatura da Terra e a atmosfera.
O bilionário Jared Isaacman saindo ao espaço por uma escotilha da nave, na primeira caminhada espacial privada da história - AFP

"Lá em casa temos muito trabalho a fazer, mas daqui a Terra realmente parece um mundo perfeito", disse Isaacman ao emergir da cápsula e contemplar o planeta. "Parabéns ao grande esforço de equipe que nos permitiu chegar até esse ponto. Sabemos que é só o começo", concluiu, da entrada da escotilha, antes de retornar à espaçonave, oito minutos depois.

Em seguida, foi a vez da especialista de missão Sarah Gillis sair da cápsula, às 8h05. Com 30 anos, tornou-se a mulher mais jovem a realizar uma caminhada espacial. Ela também passou cerca de oito minutos do lado de fora. Durante esse período ambos realizaram testes de mobilidade do traje, segurando-se à cápsula em uma série de apoios para as mãos chamados de "skywalkers" pela SpaceX.

Nenhum dos dois teve problemas para se movimentar e escalar a estrutura que os permitiu deixar brevemente a Crew Dragon. Conectados por cabos umbilicais aos sistemas de suporte de vida, eles não flutuaram para longe da nave, seguindo estritamente os planos da missão.

Apesar disso, uns poderiam dizer que foi uma pequena engatinhada para um homem e uma mulher, mas um grande salto para a exploração espacial comercial. O programa Polaris, instituído por Isaacman em parceria com a SpaceX, tem por objetivo exatamente isto: avançar no desenvolvimento de tecnologias que permitam expandir a presença humana no espaço.

Essa primeira versão dos trajes espaciais desenvolvidos durante o projeto permitirá, futuramente, a criação de outros ainda mais seguros e práticos, viabilizando a presença humana maciça em órbita, na Lua e em Marte. Daí Isaacman dizer, ao realizar o procedimento, que este é apenas o começo.

A Polaris Dawn

Lançada às 5h23 de terça-feira, a cápsula já bateu recordes. Ao atingir inicialmente uma altitude de cerca de 1.400 km, ela tornou-se o veículo tripulado a se afastar mais da Terra desde 1972, quando foi conduzida a última missão Apollo à Lua. Depois disso, a nave teve sua órbita circularizada, a uma altitude de aproximadamente 700 km.

As 48 horas que antecederam a caminhada espacial serviram para a adoção de um novo procedimento, em que os astronautas foram paulatinamente acostumados a respirar uma atmosfera mais rarefeita e composta por oxigênio puro.

É diferente da estratégia usual adotada, por exemplo, a bordo da Estação Espacial Internacional. Lá, a tripulação respira uma atmosfera de oxigênio e nitrogênio, como a terrestre. Mas, quando precisa realizar uma caminhada espacial, é preciso passar um tempo numa comporta de ar isolada que realiza, ao longo de algumas horas, o processo de transição para uma atmosfera de oxigênio puro.

Isso é necessário para garantir um bom estoque de oxigênio, já que ele é o único gás estritamente necessário à respiração. Sem precisar guardar nitrogênio junto só ocupando espaço, o tempo das operações pode ser alongado. Só que fazer uma transição instantânea entre uma atmosfera mais densa de oxigênio e nitrogênio e outra mais rarefeita de oxigênio puro causa um problema sério no organismo: o nitrogênio presente no sangue começa a borbulhar, em razão da diferença de pressão. É o mesmo fenômeno que acontece quando mergulhadores sobem rapidamente à superfície da água, vindos das profundezas.

No espaço, a única maneira de evitar o problema é ir retirando o nitrogênio do corpo ao longo de horas. Como não há espaço para uma comporta de ar na Crew Dragon, a solução encontrada foi ir realizando esse processo durante o voo, com a troca gradual da atmosfera interna.

Foi o que permitiu a caminhada espacial desta quinta-feira (12). O procedimento começou na madrugada, quando os quatro tripulantes colocaram seus trajes espaciais. A atmosfera então foi ventilada da cápsula, e o quarteto ficou exposto diretamente ao vácuo. Dois, Isaacman e Gillis, tiveram a chance de deixar a cápsula. Os outros dois, o piloto Kidd Poteet (colega de Isaacman na Shared4) e a especialista de missão Anna Menon (da SpaceX), ficaram o tempo todo na cápsula, dando suporte à atividade.

A despressurização levou cerca de 30 minutos, seguida pela abertura da escotilha. Ao todo, o tempo da tripulação exposto ao vácuo somou 1h46min, e a primeira caminhada espacial da história foi oficialmente concluída às 8h58. O evento foi transmitido ao vivo pela SpaceX na plataforma X, atualmente bloqueada no Brasil por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Contexto Histórico

Pode parecer um feito bem modesto, se pensarmos que a primeira caminhada espacial da história, realizada pelo soviético Alexei Leonov em 1965, já envolveu 12 minutos fora de sua cápsula Voskhod, e que hoje caminhadas espaciais são conduzidas rotineiramente na Estação Espacial Internacional e na estação chinesa Tiangong, com duração de 6h a 8h cada uma.

Contudo, é preciso lembrar que essas atividades até hoje só foram possíveis graças a grandes esforços governamentais, conduzidas por agências espaciais com orçamentos na casa dos bilhões de dólares.

O programa Polaris, em parceria com a SpaceX, produziu trajes capazes de uso em EVAs em dois anos de trabalho, viabilizando essas atividades no âmbito da exploração comercial do espaço. São passos fundamentais, por exemplo, para a futura criação de estações comerciais tripuladas (visão que a Nasa tem para o futuro da ocupação da baixa órbita terrestre, após o encerramento das operações da Estação Espacial Internacional, marcado para 2030). E trajes similares também poderão viabilizar bases lunares (em que será preciso lidar com o vácuo, já que a Lua não tem atmosfera) e marcianas (onde há atmosfera, mas com cerca de um centésimo da densidade da terrestre).

Ainda há um longo caminho até isso se tornar realidade, mas o primeiro passo foi dado nesta quinta-feira. A Polaris Dawn deve retornar à Terra em mais dois dias.

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