Descrição de chapéu The New York Times astronomia

Eclipses eram o presságio de revolta, seca e morte do rei na antiga Babilônia

Nova tradução de relíquias cuneiformes do segundo milênio a.C. revela os avisos que astrólogos viam nesses eventos

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Franz Lidz
The New York Times

Era bom ser o rei na antiga Babilônia, a menos, é claro, que um eclipse ocorresse durante o seu reinado. O evento era o presságio de revolta, rebelião, derrota em guerra, perda de território, praga, seca, falha nas colheitas, ataques de gafanhotos ou até mesmo a morte do rei. No caso deste último, o rei se esconderia e um substituto —um prisioneiro, por exemplo— assumiria o posto até que o perigo passasse. Para apaziguar os deuses, alguém teria que morrer. Então, após o retorno do verdadeiro rei, o substituto seria executado.

Na Mesopotâmia no segundo milênio a.C., atribuía-se um significado profético aos eventos celestiais. Os eclipses eram geralmente entendidos como mensagens de raiva dos deuses. "A leitura dos presságios era como os babilônios entendiam o mundo", disse o assiriologista Andrew George, professor emérito da Universidade de Londres, cuja tradução da epopeia de Gilgamesh é uma das mais amplamente lidas.

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Tabuleta do período da antiga Babilônia, por volta de 1900-1600 a.C., 1 das 4 recém-traduzidas e atualmente mantidas pelo Museu Britânico - Cuneiform Digital Library Initiative via The New York Times

George liderou um estudo, publicado no mês passado no Journal of Cuneiform Studies, que decifrou um conjunto de quatro tabuletas cobertas com escrita cuneiforme e que estão sob posse do Museu Britânico desde o final do século 19. As placas de argila provavelmente vieram de Sipar, uma cidade próspera às margens do Eufrates, no que é agora o Iraque. Elas são datadas de cerca de 1894 a.C. a 1595 a.C.

Os artefatos, um compêndio das observações de eclipses lunares dos astrólogos babilônicos, revelam uma série de previsões sombrias sobre as mortes de reis e a destruição de civilizações. "O objetivo dos textos de presságios era descobrir o que os deuses queriam comunicar, seja bom ou ruim, para agir e evitar problemas futuros", disse George.

A ideia era que a Terra e o céu eram imagens espelhadas, então os acontecimentos nos céus tinham correspondentes na Terra. Por isso, um eclipse solar ou lunar sinalizava que uma grande figura terrestre seria, de alguma forma, eclipsada —por exemplo, um rei morreria. "É possível que essa teoria tenha surgido da coincidência de um eclipse e a morte de um rei, ou seja, experiência real no início da história mesopotâmica", disse George. "Mas também é possível que a teoria tenha sido desenvolvida inteiramente por analogia."

Os babilônios viam presságios por toda parte, o que explica as inúmeras referências nas tabuletas ao voo e comportamento de pássaros, aos padrões feitos ao pingar óleo na água, à fumaça subindo de queimadores de incenso e aos encontros com cobras, porcos, gatos e escorpiões. Há 61 previsões nas tabuletas recém-traduzidas que variam de avisos sobre desastres naturais ("uma inundação virá e reduzirá a quantidade de cevada nos terreiros") a caos antinatural ("leões sairão em uma onda de destruição e cortarão a saída de uma cidade"). As previsões mais comoventes descrevem desespero em tempos de fome: "As pessoas trocarão seus filhos bebês por prata".

Realizar um ritual apropriado, acreditavam os babilônios, poderia parar, ou pelo menos mitigar, um presságio sombrio e alterar o futuro. Se um presságio fosse especialmente ameaçador, um sacerdote conduziria uma consulta oracular sacrificando ritualmente uma ovelha e lendo suas entranhas. Os principais órgãos internos examinados eram o fígado, os pulmões e o cólon. "Basicamente, o adivinho estava procurando por algo incomum", disse George, incluindo "deformações, ausência ou duplicação de características, divisões e sulcos nas superfícies."

Tipicamente, características que apareciam do lado direito eram consideradas positivas e do lado esquerdo, negativas, embora o que constituía direita e esquerda diferisse em cada região da Babilônia. O sacerdote então contabilizaria os resultados, que, se ambíguos, poderiam exigir outro sacrifício.

Adivinhações na Babilônia se tornaram uma ferramenta para regular o comportamento do rei e uma maneira pela qual aqueles próximos ao governante exerciam poder político sobre ele. "Suspeita-se que alguns reis eram mais supersticiosos e, portanto, mais suscetíveis à manipulação por adivinhos do que outros", disse George. "Uma vez que os eclipses lunares eram, por sua natureza, maus presságios para o rei, os presságios associados a eles falavam de suas ansiedades mais profundas sobre quais catástrofes poderiam acontecer a ele e ao seu povo."

O ritual do rei substituto está associado ao período neoassírio, que durou de cerca de 900 a.C. a 612 a.C., embora possa ter sido praticado posteriormente também. "Especialistas em presságios na Babilônia provavelmente realizaram o rito para Alexandre, o Grande, quando ele ficou gravemente doente na cidade e subsequentemente morreu", disse o assiriólogo Troels Pank Arboll, da Universidade de Copenhague.

Ele elogiou a nova pesquisa, na qual não esteve envolvido, por sua precisão e rigor. "Ela fornece o primeiro tratamento completo desses textos complicados", disse Arboll.

A maioria das mais de 100 mil tabuletas mesopotâmicas na coleção do Museu Britânico permanece indecifrada, se não catalogada. Mais presságios certamente podem estar aguardando nos arquivos.

"Há muitas tabuletas e poucos assiriologistas", disse George, acrescentando: "Apenas uma pequena fração delas está em exibição. Cem ou mais galerias públicas repletas de tabuletas cuneiformes não empolgariam muitos visitantes."

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