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Eclipse pôs fim a uma guerra e abalou os deuses para sempre

Tales é celebrado por prever o fenômeno e fundar o que veio a ser conhecido como ciência

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William J. Broad
The New York Times

Na primavera de 585 a.C. no Mediterrâneo Oriental, a Lua surgiu do nada para esconder o Sol, transformando o dia em noite.

Naquela época, os eclipses solares eram envoltos em uma incerteza assustadora. Mas dizia-se que um filósofo grego havia previsto o desaparecimento do Sol. Seu nome era Tales. Ele vivia na costa da Anatólia —hoje na Turquia, então um berço da civilização grega primitiva— e também se falava que adquirira seu poder incomum ao abandonar os deuses.

O eclipse teve um impacto imediato no mundo. Os reinos de medos e lídios travavam uma guerra brutal há anos. Porém o eclipse foi interpretado como um mau presságio, e os Exércitos rapidamente baixaram as armas. Os termos da paz incluíam o casamento da filha do rei da Lídia com o filho do rei de Medo.

John P. Dessereau/The New York Times

A previsão de Tales teve um impacto mais duradouro, com sua reputação ganhando força ao longo dos séculos. Heródoto contou de sua previsão. Aristóteles chamou Tales de primeira pessoa a compreender a natureza. A era clássica da Grécia o honrou como o principal dos sete sábios.

Hoje, o conto ilustra o temor dos antigos pelo desaparecimento do Sol e a grande surpresa de que um filósofo soubesse disso antecipadamente.

O episódio também marca um ponto de virada. Por eras, os eclipses solares eram temidos como presságios de calamidade. Reis tremiam. Então, cerca de 2.600 anos atrás, Tales liderou uma investida que substituiu a superstição pela previsão racional de eclipses.

Hoje, os astrônomos podem determinar o momento em que o Sol desaparecerá nesta segunda (8) em uma faixa da América do Norte. Se o tempo permitir, espera-se que seja o evento astronômico se torne o mais visto na história americana.

"Em todos os lugares que você olha, desde tempos modernos até o passado, todos queriam previsões" do que os céus reservariam, segundo Mathieu Ossendrijver, assiriólogo da Universidade Livre de Berlim. De acordo com ele, os reis babilônicos "ficavam apavorados com os eclipses". Em resposta, os governantes observavam o céu na tentativa de antecipar maus presságios, apaziguar os deuses e "fortalecer sua legitimidade".

Conforme os relatos, Tales iniciou a visão racionalista. Ele é frequentemente considerado o primeiro cientista do mundo, o fundador de uma nova maneira radical de pensar.

Muito antes de Tales, a antiga paisagem carregava indícios bem-sucedidos de previsão de eclipses. Especialistas modernos dizem que Stonehenge —um dos locais pré-históricos mais famosos do mundo, cuja construção começou há cerca de 5.000 anos— pode ter sido capaz de alertar sobre eclipses lunares e solares.

Embora os antigos chineses e maias tenham registrado as datas dos eclipses, poucas culturas antigas aprenderam a prever os desaparecimentos.

A primeira evidência clara de sucesso vem da Babilônia.

A partir de cerca de 750 a.C., as tabuletas de argila babilônicas trazem relatos de eclipses. Com base em registros do fenômeno, os babilônios foram capazes de discernir padrões de ciclos celestes e estações de eclipses. Integrantes da corte podiam, então, alertar sobre o desagrado divino e tentar evitar os castigos, como a queda de um rei.

A medida mais extrema foi empregar um bode expiatório. O rei substituto cumpria todos os ritos e deveres habituais, incluindo os do casamento. O rei e a rainha substitutos eram então mortos como sacrifício aos deuses, com o verdadeiro rei tendo sido escondido até que o perigo passasse.

Inicialmente, os babilônios se concentraram em registrar e prever eclipses da Lua, não do Sol. Os diferentes tamanhos das sombras dos eclipses permitiam que observassem um maior número de desaparecimentos lunares.

A sombra da Terra é tão grande que, durante um eclipse lunar, ela bloqueia a luz solar de uma imensa região do espaço sideral, tornando o desaparecimento e reaparecimento do satélite visíveis para todos no lado noturno do planeta. A diferença de tamanho é revertida em um eclipse solar. A sombra relativamente pequena da Lua torna a observação da totalidade —o completo desaparecimento do Sol— bastante limitada em alcance geográfico.

Assim, os babilônios, por oportunidade, focaram a Lua. Eles perceberam, então, que os eclipses lunares tendem a se repetir a cada 6.585 dias —ou aproximadamente a cada 18 anos. Isso levou a avanços na previsão das probabilidades de eclipses lunares, apesar de saberem pouco sobre as realidades cósmicas por trás dos desaparecimentos.

"Eles podiam prevê-los muito bem", disse John M. Steele, historiador das ciências antigas da Universidade Brown e colaborador do livro "Eclipse and Revelation".

Foi Heródoto quem, em "As Histórias", contou sobre a previsão do eclipse solar feita por Tales que encerrou a guerra. Ele disse que o antigo filósofo havia antecipado a data do desaparecimento do Sol "dentro do ano" do evento real.

No entanto, especialistas modernos, a partir de 1864, lançaram dúvidas sobre a reivindicação antiga. Muitos a viram como apócrifa. Em 1957, Otto Neugebauer, historiador da ciência, chamou de "muito duvidoso".

Nos últimos anos, a reivindicação recebeu novo apoio. As atualizações se baseiam no conhecimento dos tipos de ciclos observacionais em que a Babilônia foi pioneira. Os padrões são vistos como algo que permitia a Tales fazer previsões solares que, se não fossem certezas, poderiam ter sucesso de tempos em tempos.

Se Stonehenge pode fazê-lo ocasionalmente, por que não Tales?

Mark Littmann, astrônomo, e Fred Espenak, astrofísico aposentado da Nasa especializado em eclipses, argumentam em seu livro, "Totality" (totalidade), que a data do eclipse da guerra era relativamente fácil de prever, mas não sua localização exata. Como resultado, eles escrevem, Tales "poderia ter alertado sobre a possibilidade de um eclipse solar".

Leo Dubal, físico suíço aposentado que estuda artefatos do passado antigo e recentemente escreveu sobre Tales, concordou. O filósofo grego poderia ter conhecido a data com grande certeza, enquanto estava incerto sobre os lugares onde o eclipse seria visível, como nas linhas de frente da guerra.

Ao longo dos séculos, os astrônomos gregos aprenderam mais sobre os ciclos babilônicos e usaram esse conhecimento como base para avançar em seu próprio trabalho. O que era marginal nos dias de Tales tornou-se mais confiável, incluindo o conhecimento prévio de eclipses solares.

O mecanismo de Anticítera, um dispositivo mecânico incrivelmente complexo, é um testemunho do progresso grego. Foi feito quatro séculos após Tales, no século 2º a.C., e encontrado em uma ilha grega em 1900. Suas dezenas de engrenagens e mostradores permitiam prever muitos eventos cósmicos, incluindo datas de eclipses solares.

Por séculos, até mesmo durante o Renascimento, os astrônomos continuaram aprimorando suas previsões de eclipses com base no que os babilônios haviam observado. O ciclo de 18 anos, disse Steele da Universidade Brown, "tinha uma história realmente longa porque funcionava".

Então veio uma revolução. Em 1543, Nicolau Copérnico colocou o Sol, e não a Terra, no centro dos movimentos planetários. Sua descoberta levou a estudos detalhados da mecânica dos eclipses.

A estrela era Isaac Newton, o gênio imponente que em 1687 desvendou o Universo com sua lei de atração gravitacional. Sua descoberta tornou possível prever os caminhos exatos não apenas de cometas e planetas, mas também do Sol, da Lua e da Terra. Como resultado, as previsões de eclipses aumentaram em precisão.

Os especialistas de hoje, usando as leis de Newton e bancos de computadores poderosos, podem prever os movimentos das estrelas por milhões de anos no futuro.

Mas, mais perto de casa, eles têm dificuldade em fazer previsões de eclipses ao longo de períodos tão longos. Isso ocorre porque a Terra, a Lua e o Sol estão em proximidade relativa e, portanto, exercem "puxões" gravitacionais comparativamente fortes uns sobre os outros, que mudam sutilmente em força ao longo dos éons, alterando ligeiramente as rotações e posições planetárias.

Apesar de tais complicações, "é possível prever as datas dos eclipses mais de 10 mil anos no futuro", disse Espenak, o ex-especialista da Nasa.

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