Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Felipe Neto tem razão?

Youtuber questionou leitura de clássicos da literatura brasileira nas escolas

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Bem ao seu estilo, o youtuber Felipe Neto movimentou as redes sociais no último final de semana. Postou um meme da apresentadora Palmirinha segurando um cartaz onde se lia “Crie uma treta literária e saia”. Felipe seguiu à risca o recado e sapecou: “Forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é um desserviço das escolas para a literatura. Álvares de Azevedo e Machado de Assis NÃO SÃO PARA ADOLESCENTES! E forçar isso gera jovens que acham literatura um saco”. A questão trazida pelo influenciador digital não é nova, mas continua mal resolvida no âmbito educacional, e a reação nas redes sociais, que passou o último fim de semana discutindo a questão, demonstra isso.

Afinal, quando ler os clássicos? Existe idade para isso?

Em seu “Por que ler os clássicos”, Italo Calvino nos dá uma pista ao afirmar que “toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira”. O livro continua o mesmo, nós mudamos (ou deveríamos mudar) com o tempo, assim como a história. Portanto, a questão correta deveria ser “como ler os clássicos?” e não porque lê-los. E a escola, como provoca Felipe, tem tudo a ver com isso.

Recentemente entrevistei uma estudante recém-saída do ensino médio e conversamos um pouco sobre seus hábitos de leitura no tempo em que frequentou o ensino básico. Segundo ela, durante o período no ensino fundamental os livros lhes eram oferecidos e havia discussões em sala sobre suas narrativas. Já no ensino médio, quando “os livros eram mais complexos” as atividades se resumiam a ler os livros –ou fragmentos dos mesmos– e responder a um questionário. Felipe atirou no que viu e acertou no que não viu….

Capa do livro 'O Alienista', de Machado de Assis, publicado pela editora Cobogó
Capa do livro 'O Alienista', de Machado de Assis, publicado pela editora Cobogó - Reprodução

A escola afasta o gosto pela leitura e pelos clássicos quando os apresenta de forma descontextualizada, não faz pontes com a realidade dos alunos e a produção cultural atual. É possível ler "Harry Potter", de J.K. Rowling e "David Copperfield" e "Oliver Twist", de Charles Dickens, demonstrando a influência na composição dos personagens da série do jovem mago pelos clássicos de Dickens.

O professor pode apresentar filmes holywoodianos ou novelas populares e discuti-los a partir da leitura de "Romeu e Julieta", ou "Hamlet", de Shakespeare. "O Cortiço", de Aluísio Azevedo, pode ser lido junto a "Quarto de Despejo", de Carolina Maria de Jesus, ou "Cidade de Deus," de Paulo Lins, e provocar uma discussão sobre a realidade das classes populares brasileiras em dois séculos distintos. Uma sessão do filme "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, também poderia ser utilizada.

Machado de Assis, negro, filho de um pintor de paredes e uma lavadeira, nascido no morro do Livramento, no Rio de Janeiro, tem em sua própria história um fio para a discussão do racismo e de nossa sociedade escravocrata em sala de aula.

A escola pode preparar os estudantes para a leitura do “Bruxo do Cosme Velho” com a leitura, ainda no ensino fundamental, de dois livros de autores brasileiros: "O Mistério da Casa Verde", de Moacyr Scliar, e "O Alienista Caçador de Mutantes", de Natalie Klein, que revisitam o conto "O Alienista", de Machado de Assis com histórias voltadas ao público infanto-juvenil. No ensino médio a escola trabalharia com "O Alienista", retomando as leituras realizadas nos anos anteriores.

O vigor dos slams, as batalhas de poesia presentes na periferia, já chegou a escolas e tem até um campeonato entre as escolas públicas de São Paulo, prova de que os jovens não só lêem, mas produzem textos literários. A bossa nova, a tropicália o hip-hop, o rap e o funk brasileiros, com sua mistura da música tradicional brasileira com elementos do jazz, do rock e da música negra americana nos mostraram que não há oposição entre clássico e moderno, mas sínteses disruptoras que não deixam de incorporar nossa identidade.

Felipe Neto tem razão. Apenas atirou no que viu –forçados a ler os clássicos sem método e mediação adequada, os estudantes podem sim pegar aversão pelos mesmos e pela leitura– e acertou no que não viu –a escola precisa mudar sua abordagem sobre os clássicos brasileiros, tão necessários à compreensão de nossa história e identidade.

Aos leitores, deixo uma sugestão: para entender o Brasil, especialmente nos dias de hoje, nada melhor do que a leitura de "O Alienista". Em qualquer idade!

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