Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Como ensinar em um país mais pobre, desigual e triste?

Desafio ficou mais complexo e exigirá mais do que uma boa política educacional

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O Brasil que emerge da pandemia é mais pobre, mais desigual e mais triste, segundo a pesquisa "Bem-Estar Trabalhista, Felicidade e Pandemia", publicada pelo economista Marcelo Neri. O desafio de ensinar se tornou ainda mais complexo e não será enfrentado apenas com instrumentos de uma boa política educacional, o que torna os municípios protagonistas dessa retomada.

Neri calculou indicadores objetivos de prosperidade, desigualdade e bem-estar, assim como realizou uma pesquisa para definir uma medida subjetiva de felicidade. Seus resultados indicam o tamanho do desafio que enfrentaremos nos próximos anos.

A renda média do brasileiro (incluindo os informais e sem trabalho) avançou seu nível mais baixo, caindo cerca de 11% na pandemia, com a renda da metade mais pobre caindo cerca de 21%, quase o dobro. A desigualdade atingiu o topo da série histórica, com um dado alarmante: o crescimento do índice de Gini na pandemia foi equivalente ao dos 5 anos de recessão compreendidos entre 2015 e 2020.

Neri calculou ainda dois índices de bem-estar social, um objetivo, construído a partir da combinação entre a média geral de renda e desigualdade, e um subjetivo, uma nota atribuída pelas pessoas ao seu nível de satisfação com a vida.

O índice objetivo de bem-estar permaneceu constante entre 2012 e 2020 e despencou 19,4% durante a pandemia. Já o subjetivo alcançou seu pior resultado desde 2006, puxado pela redução da felicidade entre os mais pobres, uma vez que o índice se manteve estável entre os mais ricos.

Como nos lembra o economista Pedro Nery em artigo recente, autores de várias áreas do conhecimento documentaram que a vida dos mais pobres é mais estressante, sobrecarrega sua capacidade cognitiva com uma pletora de decisões corriqueiras –incomuns aos mais abastados– como a de lidar com a fome e a vida em condições precárias.

Recursos cognitivos são limitados e seu uso excessivo em tarefas mais simples reduz a capacidade dos mais pobres em tomar decisões que poderiam levá-los a superar a "armadilha da pobreza", termo cunhado pelos prêmios Nobel Esther Dufflo e Abhijit Banerjee.

Mais da metade dos brasileiros (117 milhões de pessoas) vai dormir hoje sem saber se terá algo para comer amanhã. Durante a pandemia o número de despejos e reintegrações de posse cresceu, jogando ainda mais pessoas na rua.

O que estes estudos nos dizem sobre os desafios da educação pública para os próximos anos?

Que a boa política educacional é necessária, mas não suficiente. Ao lado de bons protocolos para garantir o ensino presencial seguro ou à distância, do investimento na formação dos professores, materiais pedagógicos, conectividade das escolas e infraestrutura, é preciso atacar as diversas dimensões da pobreza de forma estruturada, no território.

A fome, a violência, a desestruturação familiar, a vida em moradias precárias, o racismo estrutural ganham formas e rostos nas cidades. E são os municípios os responsáveis por articular a proteção social no território, mesmo de programas estaduais e federais, como o Bolsa Família.

Organizar os bancos de dados dos estudantes, integrar os dados das diversas áreas –saúde, desenvolvimento social, educação–, permitindo que haja um número único de identificação dos usuários de serviços públicos, é o primeiro passo.

Mapear os serviços públicos existentes no entorno de cada escola nas cidades, o segundo.

Criar uma governança compartilhada entre os responsáveis no território pela provisão dos serviços públicos, cidadãos e organizações, o terceiro.

A integração das informações sobre estudantes, suas famílias, o conhecimento das dimensões de vulnerabilidade existentes e a governança compartilhada em nível local permitirão uma ação mais focada e direta nos fatores que impactam no desenvolvimento e na aprendizagem de nossas crianças e jovens.

O desafio que temos é ciclópico. Metade dos estados não reabriu suas escolas desde o início da pandemia, segundo pesquisa liderada pela professora Lorena Barberia. O ensino remoto fracassou, seja porque uma grande parte dos estudantes simplesmente não acessou os materiais e aplicativos disponibilizados, seja porque não aprenderam, ou retrocederam, como demonstram as primeiras avaliações educacionais e pesquisas na área.

Precisamos superar a velha dicotomia existente no debate educacional, entre aqueles que acreditam que não reduziremos nossa desigualdade educacional sem resolver nossos problemas estruturais e os que entendem que essa é uma justificativa para a escola "não ensinar", que basta um projeto educacional tecnicamente bem desenhado, incentivos aos professores e gestores e controle social.

A verdade é que a educação já não ia bem, estamos mais pobres, mais desiguais e mais tristes do que no passado. Ninguém aprende com fome, tampouco em uma escola sem estrutura, projeto e educadores preparados. Não há escolha possível senão de tratar dos problemas reais de nossos estudantes e suas famílias e apoiar nossas escolas para que possam cumprir seu dever ético de garantir a aprendizagem de todos.

O autor agradece ao economista Pedro Nery e à pesquisadora Lorena Barberia pela gentil troca de mensagens enquanto preparava este texto, o que não os tornam “cúmplices” por seu resultado final.

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