Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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Alvaro Costa e Silva

A eleição que mudou tudo

Diários de Victor Klemperer mostram o início do desastre

Victor Klemperer e sua mulher, Eva, em meados da década de 1930
Victor Klemperer e sua mulher, Eva, em meados da década de 1930 - Reprodução

Em 10 de março de 1933 Victor Klemperer escreveu em seu diário: “Repete-se agora exatamente, apenas com outros sinais —com a suástica—, a situação de 1918. Mais uma vez, é surpreendente como tudo desmorona sem reação”. 

Na mesma entrada, Klemperer comenta um discurso de Hitler —“A gritaria patética de um fanático religioso”— e anota em quem votou nas eleições: “Votei no candidato dos democratas. (...) Depois a arrasadora vitória dos nacional-socialistas. (...) Um indignado desmentido no sentido de que nada de mal acontecerá aos judeus leais. Logo em seguida, a proibição da associação central dos cidadãos judeus em Turíngia, por depreciação e críticas ‘talmúdicas’ ao governo. Desde então, dia a dia, governos desestruturados, bandeiras nazistas hasteadas, casas ocupadas, pessoas fuziladas, proibições”.

Judeu alemão filho de um rabino, mas convertido ao protestantismo, Victor Klemperer (1881-1960) era um pacato professor de literatura, dedicado à leitura de Montesquieu, Voltaire, Diderot. A partir de 1933, tudo mudou. Ele perdeu os direitos associados à cidadania alemã. Foi proibido de frequentar bibliotecas e prosseguir com suas atividades intelectuais. Sua existência virou um teatro de absurdos: não podia ir ao cinema, ter um cachorrinho ou tomar um simples sorvete.

Os diários —que em sua totalidade somam mais de 1.600 páginas— vão até 1945. Klemperer vivia com a pianista Eva Schlemmer, alemã não judia, e o casamento “misto” salvou-lhe a vida, permitindo o testemunho aterrorizante que desmente a noção de que atrocidades eram desconhecidas. Segundo o autor, em 1942 já havia indicações sobre os campos de extermínio.    

Peter Gay, o biógrafo de Freud, classificou a obra como “uma verdadeira história do assassinato —do ponto de vista da vítima”. Triste é saber que tudo poderia ter sido diferente se o resultado das eleições não fosse o início do desastre.

 

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