Há 50 anos, o rio da Portela parecia inesgotável, com todos os corações se deixando levar. O título veio com o desfile "Lendas e Mistérios da Amazônia", perfazendo um número de conquistas impressionante: entre 1941 e 1970, 17 Carnavais, mais da metade dos campeonatos em disputa, incluindo na conta um hepta (de 1941 a 1947).
Mas alguma coisa não cheirava bem na Portelinha, a acanhada sede que dali a dois anos seria substituída pelo enorme Portelão, mais representativo do tempo que tinha início, o das Superescolas de Samba S.A. No gigantismo, não havia mais lugar para a mítica jaqueira, ao pé da qual se apresentavam os sambas de terreiro ou de quadra, composições que falavam livremente (sem a preocupação de narrar um enredo) de amores e boêmia ou exaltavam a própria escola, muitas vezes com versos de improviso.
Para manter a tradição, Paulinho da Viola reuniu uma turma de veteranos (Chico Traidor, Alvaiade, Manacéia, Aniceto, Caetano, Rufino, Mijinha, Alvarenga, Ventura) no LP "Portela, Passado de Glória". Lançado naquele momento de mudança, 1970, tornou-se mais que um simples disco. Cristalizou um conceito, o das velhas guardas, que se transmitiu para as outras escolas e seria fundamental para a fixação do gênero: o samba para ir adiante tem de olhar para trás.
Entre os participantes do grupo seminal, o único vivo é Hildemar Diniz, Monarco. É dele a música-título do disco ("Em Osvaldo Cruz/ Bem perto de Madureira/ Todos só falavam/ Paulo Benjamin de Oliveira"). Monarco aparece na foto da contracapa, mas não esteve no estúdio: no dia da gravação, sua féria de peixeiro na praça Quinze não deu nem para o "pingo", como é chamado o peixe-brinde dado ao carregador, e ele teve de se virar no trabalho.
Outro dia, vi Monarco, 87 anos, numa live. A mesma voz altaneira, metálica, dolente. Enquanto existir samba, as velhas guardas serão eternas.
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