Aquela imagem do café da manhã de homem simples —camiseta esportiva, bermuda, chinelos, celular ligado e o leite condensado derramando-se por cima do pão francês— era uma jogada de marketing. Revelava tremendo mau gosto. Mas, envolvendo Bolsonaro, o que não é de mau gosto? Durante a campanha eleitoral, quem quis comprou a ideia do candidato "autêntico". Muitos a compraram, e o Brasil está onde está.
A informação sobre compras de alimentos —chiclete, pizza, picolé, bombom, vinho e principalmente leite condensado—, no valor de R$ 1,8 bilhão, deve ser vasculhada, até porque as explicações do governo são confusas. É normal que o Tribunal de Contas, a pedido do Ministério Público, autorize uma investigação.
Pode ter havido irregularidades no fornecimento —que a apuração dos fatos as comprove ou desminta.
O que não é normal —e está sendo tratado como se fosse— foi a reação de Bolsonaro. Mas ninguém parece se espantar mais com suas baixezas e grosserias. No vídeo em que ele ofende "vocês da imprensa" numa churrascaria, aparece o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, encarnando um personagem de Nelson Rodrigues, olhos rútilos, lábios trêmulos e babando na gravata, ao lado do cantor Amado Batista, transformado num glutão que gargalha. Ali estava o bolsonarismo, em sua máxima expressão e em seu maior desejo.
Tanto que o vídeo com os xingamentos foi divulgado orgulhosamente pelo assessor especial da Presidência, Tercio Arnaud. Dias antes, havia sido publicado um relatório mostrando que, em 2020, Bolsonaro e pessoas do seu entorno promoveram 580 ofensas a profissionais e empresas de comunicação. O presidente e seus filhos estão no topo do ranking de "predadores da liberdade de imprensa", segundo a organização Repórteres Sem Fronteira.
Mas eles querem mais, querem sangue. Com ou sem leite condensado.
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