Álvaro Machado Dias

Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind

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Descrição de chapéu internet YouTube instagram

Como a influência digital vem se transformando

Ascensão de Marçal expressa tendência de poder e fama se tornarem mais importantes que volume de seguidores

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As redes já não são primariamente sociais há tempos. Suas funções principais passaram a ser o reconhecimento de tendências, o entretenimento e o exercício da influência (Klout). As interações mais próximas migraram para aplicativos focados em comunicação direta, como WhatsApp e Telegram, e, em segundo lugar, para apps de comunidades temáticas, como Discord.

De forma consonante, o engajamento nas redes sociais passa por uma fase de retração nos Estados Unidos, o que serve de prenúncio àquilo que deve acontecer em outros países. Um estudo americano aponta que a taxa média de engajamento no Instagram caiu 14% entre abril de 2023 e 2024, enquanto a do TikTok caiu 8%. Seguindo essa tendência, pesquisadores da Gartner estimam que metade dos consumidores deve reduzir suas interações nas redes a partir de 2025.

Logos do Google e do YouTube - Robyn Beck - 21.nov.19/AFP

Por outro lado, o número absoluto de contas continua crescendo devido ao aumento de smartphones ativos no mundo, o que serve de ressalva para aqueles que afirmam que as redes sociais estão morrendo, apenas porque sua era de ouro parece estar chegando ao fim.

O declínio no engajamento pessoal tem relação direta com a crescente profissionalização dos usuários mais ativos. O TikTok, por exemplo, se assemelha a uma grande galeria de influenciadores. Isso favorece o superdimensionamento econômico da influência digital pelos críticos culturais.

A maior agência de marketing de influência do mundo é a IMA, que não está nem entre as cem maiores do marketing ou da publicidade. Fundos pouco investem nesse mercado, cujo valor global atualizado (Goldman Sacks, 2024) é de US$ 250bi, menos da metade do valor da Visa. A tão disseminada ideia de que, atualmente, tudo é marketing de influência não se apoia em números, mas isso tende a mudar: o mesmo banco prevê um crescimento setorial de 100% até 2027.

Para ajudar a entender como funciona a influência digital, criei uma tipologia simples. De um lado está a influência por personalidade e, de outro, a influência por conteúdo.

A influência por personalidade é o métier das pessoas que adquiriram notoriedade fora das redes e passaram a multiplicá-la e rentabilizá-la nesse meio. Esse é o domínio de artistas, jornalistas, modelos, intelectuais públicos e assim por diante. Já a influência por conteúdo pertence àqueles que ganharam relevância digital em função do engajamento gerado pelos conteúdos que produzem, aos quais permanecem conectados.

A rede preferencial para a influência por personalidade é o Instagram. É lá que ocorrem os patrocínios (publis) e a maior parte das vendas de infoprodutos. Personalidades famosas que conseguiram criar séquitos relevantes no Instagram (o corte mínimo é 1 milhão de seguidores orgânicos) não apenas são bem remuneradas pelas marcas, como também podem faturar alto com cursos, grupos exclusivos e outros infoprodutos.

A influência por conteúdo, por sua vez, divide-se entre o próprio Instagram e o YouTube, que oferece um ciclo de vida e uma rentabilização maiores para os vídeos longos, ao mesmo tempo que replica o modelo tipicamente social de funcionamento com os shorts.

Na minha opinião, o YouTube é a plataforma mais sustentável do setor. A Nielsen publica um famoso relatório de audiência chamado Gauge que, em sua última versão, mostrou que (1) o streaming atingiu 41,4% de toda a audiência televisiva, superando qualquer outra categoria e (2) nesse domínio, o YouTube lidera com folga à frente da Netflix e, consequentemente, dos demais concorrentes.

A influência por conteúdo é a ocupação emergente dos nossos dias, mas é menos vantajosa do que parece. De acordo com um levantamento feito pela minha equipe, instagramers brasileiros, que vivem de conteúdo, com 1 milhão de seguidores, em geral cobram entre R$ 600 e R$ 2.800 por postagem. No YouTube, cada milhão de visualizações de vídeos nacionais tende a render entre R$ 10 mil e R$ 22 mil, valor que pode aumentar dependendo da temática, sendo que, atualmente, a que melhor remunera os criadores é finanças. Em contraste, postagens no Instagram de influenciadores por personalidade podem custar mais de R$ 100 mil.

O fato de as marcas contratarem influenciadores por personalidade caros para atuarem como garotos-propaganda de seus produtos tem levado à bastante experimentação. Uma das mais comentadas é com influenciadores baseados em IA.

Um exemplo é Aitana Lopez, que supostamente gera US$ 11 mil por mês para os seus criadores sem abrir a boca. A expectativa é que a vocalização, que começou a ser integrada a ferramentas como ChatGPT e Google Gemini, permita que essas criações estabeleçam relações mais próximas com a audiência, que pode migrar da concorrência humana.

Influenciadores por IA são o declínio anunciado da ocupação com que sonham nove em cada dez jovens que ainda não entraram para o mercado de trabalho e evidência do poder concentrador da tecnologia, cujo hábito é comer pelas beiradas, como os programadores bem sabem. Não é?

De fato, este é o modus operandi da tecnologia, mas eu não acredito que o paradigma se aplique aqui. Algoritmos generativos são contidos demais para concorrerem por atenção no meio digital, exceto em nichos construídos sobre a reafirmação do status quo, como estilo de vida.

Nesses segmentos, é possível antever um futuro, não muito distante, em que avatares passarão o dia em lives de vendas, oferecendo produtos e interagindo de forma limitada com a audiência, mas não espere muito mais do que isso.

Uma das principais razões pelas quais se fala tanto em IA hoje em dia é o fato de ela não ser totalmente controlável, já que é suscetível a alucinações (invenções). Aqui, o problema é o oposto. A economia da atenção converge em uma espécie de concurso de alucinações deliberadas, onde avatares não conseguem competir em pé de igualdade devido aos limites impostos pelos fabricantes dos grandes modelos de linguagem, que, justamente, têm maior capacidade conversacional. Influenciadores por IA parecem condenados a serem uma versão genérica dos influenciadores por personalidade, sem atitude ou capacidade de causar impacto e se impor.

Por outro lado, é fato que a IA tende a estar cada vez mais presente nas escolhas temáticas, roteirização e pós-produção dos influenciadores. Isso faz todo o sentido, dado que a produção de conteúdo dos influenciadores por conteúdo já é cognitivamente algoritmizada. Embora cerca de 1,1 bilhão de conteúdos sejam despejados diariamente nas redes sociais, apenas quatro recortes temáticos são responsáveis por quase todas as visualizações dos influenciadores por conteúdo em vídeo: conteúdos úteis, engraçados/curiosos, factuais e os que visam gerar respostas emocionais de aproximação ou repulsa, incluindo a política pelo seu ângulo mais ideológico.

A dramaturgia da viralização é igualmente metódica. Jenny Hoyos, considerada a maior especialista em shorts do mercado (YouTube), afirma que um dos principais segredos para criar vídeos com mais de 40 milhões de visualizações, sobre temas como trabalhar no McDonald’s por um dia, é submeter o roteiro a uma ferramenta capaz de identificar a formação escolar mínima necessária para compreender com naturalidade o que está sendo apresentado. A referência técnica em questão é o SMOG Complexity Index.

Hoyos explica que a formação máxima adequada para um viral é a quinta série. Acima desse nível, o engajamento cai drasticamente. Segundo ela, Jimmy Donaldson (MrBeast), o youtuber mais assistido da atualidade, não publica nada que exija entendimentos além dos de alunos da primeira série.

Esses são parâmetros administráveis por IAs, o que significa que a tendência é os vídeos se tornarem ainda mais parecidos entre si, em linha com a tese de que o avanço da IA reduz a excepcionalidade no universo das produções culturais.

Estamos passando por uma mudança sistêmica de mentalidade, que começou a tomar forma com a universalização das redes sociais (no final da primeira década do século), acelerou-se durante a pandemia e tende a se consolidar nos próximos anos devido a envelhecimento populacional, aumento da solidão, declínio do engajamento religioso no Ocidente e normalização das relações mediadas por telas, tanto com agentes quanto com pessoas.

Neste novo tempo, a metamodernidade, o culto da motivação tende a ocupar o vácuo deixado por gurus espirituais e líderes religiosos tradicionais entre os mais novos (com menos de 30 anos), o que explica por que o tema emergiu como o mais poderoso facilitador da passagem da influência por conteúdo para a influência por personalidade.

Esse é exatamente o percurso seguido por Pablo Marçal, cuja candidatura pode ser vista como uma forma de cristalização da sua influência por personalidade, cujas métricas são poder e fama e não simplesmente seguidores e ganhos por clique.

O sujeito começa falando sobre como é possível ter mais sucesso erguendo o queixo e estufando o peito (isso está em vários vídeos dele a que assisti para a elaboração deste artigo) e avança em uma linha muito próxima à dos pastores, que dizem que basta acreditar para enriquecer.

Parece-me claro que não se trata de ocorrência fortuita, mas sim de uma das tendências mais fortes da atualidade. De modo que é bom ir se acostumando, pois como Marçal teremos muitos.

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