Desde que fui convidada a ocupar este espaço, tenho sido criticada acerca da opção por abordar preferencialmente temas relacionados à negritude. Houve vezes em que fiquei baqueada. Noutras tive vontade de rebater. Diante da falácia acerca de um delirante racismo de negros contra brancos, agradeci por ter mantido meu propósito.
O racismo é uma realidade cruel e excludente que faz parte do cotidiano da maioria da população brasileira. O sistema que garante a perpetuação das imensas desigualdades lembra um câncer em fase tão avançada que em certos momentos parece um desafio impossível de ser suportado.
Quem é negro sabe o quanto dói ser julgado, preterido e perseguido em razão da cor da pele. Infelizmente ainda há quem tente extirpar nossa humanidade. Mas, na condição de seres humanos, pessoas negras têm defeitos, preconceitos, ambições, sofrem. E resistem. Há séculos.
Sendo o racismo um sistema estruturante de dominação com base num conceito absurdo de superioridade racial que mantém pretos e pardos em desvantagem social, econômica e cultural —e não se trata de uma mera querela semântica, embora a semântica seja muito importante—, não é razoável imaginar a existência de racismo reverso num país hierarquizado de maneira a manter os negros em condição de subalternidade desde os tempos em que o Brasil era uma colônia.
Recorro ao lúdico, rememorando uma entrevista do pugilista Muhammad Ali, astro dos ringues e gigante na defesa dos direitos civis dos afro-americanos, para a BBC na década de 1970. Na ocasião, ele citou um diálogo que teve com a mãe, na infância, para chamar a atenção da audiência da televisão para a pauta racial nos EUA.
"Sempre fui curioso e perguntava à minha mãe: Por que tudo que é bom —Jesus, os anjos, o papa, Papai Noel (…)—, é branco, e tudo que é ruim —o Patinho Feio, o gato que dá má sorte (…)—, é preto? Foi aí que eu entendi que algo estava errado." É disso que se trata.
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