Anderson França

É escritor e roteirista; carioca do subúrbio do Rio e evangélico, é autor de "Rio em Shamas" (ed. Objetiva) e empreendedor social, fundador da Universidade da Correria, escola de afroempreendedores populares.

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Anderson França

Feliz 2013, temporada 7

Antes, a gente dizia que o próximo ano ia ser melhor

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É a última coluna do ano.

Não vou fingir que tá tudo bem. Ainda na ressaca de Natal, depois de conviver com esses que nos chamam de família. Apesar de termos deixado diversos sinais de que fomos trocados na maternidade.

O tio do pavê incomoda a gente, digo, me coloco ao lado dos que se incomodam com ele. Porque a Terra é dividida entre dois grupos: os tios do pavê, e os sobrinhos que não o suportam. Pior que luta de classe.

Você ainda tá olhando o extrato do banco, enquanto a amiga te segura pra não cair. Tu tá há um saque de decretar falência. Tu tem certeza que “transação não-autorizada” vai surgir ainda essa semana na maquininha. Talvez na hora mais necessária e mais constrangedora do mês, a hora do almoço no self-service, que minha mãe chama de serv serv.

Tu se esforçou. Colocou três azeitonas, uma metade de um ovo, de codorna, une main de alface, um CARPACCIO de alcatra que você pediu pro moço cortar bem fininho; vai na parte dos grelhados, tá lá o amigo do churrasco, agora uma autoridade, tipo um desembargador, porque carne is the new bitcoin, aí você pesa tudo e dá um valor bem obtuso: R$ 7,61 reais. Self-service tem disso. Uma vez eu peguei uma raspinha de sobremesa, goiabada, deu R$ 3,14. Quase que eu pedi pro cara escrever pi, em grego. Vai, porra, fica nesse comportamento obtuso, não fica garoteando não, bota logo pi aí. Jogue duro. 

Você passa o cartão e sente a testa fria, uma gota de suor. A caixa em silêncio. Você olha pra Simone do RH e diz: “pô, cê viu, menina. O Rogério mandou um e-mail enorme da filial...”

-Não autorizado, senhor.

Ah, meu amor.

Eu não desejo esse momento nem para o meu pior inimigo. 

Mentira.

Desejo para toda a família de uma certa pessoa. 

Que ocupa um certo cargo público.

Daí que você ainda tá naquele meme da Glória Maria, lembrando que desgraça foi 2019, agora, todo cagado na fila do self-service. Apanhando da realidade. E não tem nada pior no mundo que apanhar cagado. 

Só quem já levou chinelada da mãe no banheiro, porque ela descobre que você esconde revista Playboy debaixo da cama sabe.  A pessoa, evangélica, e pernambucana, com filho de menor vendo Carla Marins toda jezabélica na edição de agosto de 1992, quer guerra com o Grupo Abril, Globo, Folha, Cia. Das Letras, e quem mais vier. 

Mas o filho apanha cagado, pra traumatizar a punheta. A porra, voltou pelos canos, saiu do ralo, e entrou de novo no piru. O menino se arrependeu amargamente daquela punheta. Com as perna vermelha de chinela da mãe. Ainda cagando. 

Muitos sentimentos, não é mesmo?

Tá com pena do menino? Você é esse menino.

Aquilo foi meu 2019. Um monte de sentimentos merda, a bunda toda cagada e a Mãe-Realidade descendo a chinela nas perninhas púberes na democracia de um ex-país do futuro, agora, antro de neonazistas, integralistas-bomba, astrólogos de extrema-direita desbocados, e safados em geral.

Na verdade, 2019 tá sendo tão ruim que já deixou de ser um ano e passou a ser um adjetivo. Uma moléstia.

-Pô, Marcelo. Esse teu currículo tá muito 2019, cara. 

-Senhor, constatamos no seus exames que o senhor está com 2019. O senhor tem mais 2 dias de vida. E a Joana da recepção tá de férias com o marido e o Enzo, o filhinho dela, aí não deu pra avisar anteontem. Na verdade, o senhor já pode ir praquela salinha mesmo e esperar ali, que é o necrotério. O senhor deve morrer daqui a uns 8 minutos.  

Se a direita brasileira queria isso, conseguiu.

Mente sobre dados de venda de lojistas. Aprova juiz de garantia pra livrar a cara e o bumbum de Flávio Fiz Merda Pra Caralho B. Porque agora não pode mais falar Flávio Bolsonaro. É Flávio B. Vende muito chocolate porque leva gente importante lá. Agora tu vê, pessoa fica importante pra ir numa galeria na Barra encher o cu de Kopenhagen. Eu, se ficasse importante, nunca que comia Kopenhagen. Que comece a treta. Até no NorteShopping tem Lindt, suição daora, só comia o Inha Benta porque era o Edson Celulari na propaganda e eu comia pensando naqueles lábios saborosos. Maracujá. Desejo. Edson. Sexo. 

Eu não sei se vou estar aqui na Folha neste mesmo dia em 2020. 

Se estiver, quero olhar pra hoje e saber que não me iludi. Antes, a gente dizia que o próximo ano ia ser melhor. Cabou-se.

Vai ser pior. Casa caindo dentro de outra casa caindo. A gente tem que cuidar da saúde mental, porque esse tipo de momento é doido de botar gente doente.

Mas estamos mais maduros. Paramos com essa palhaçada de acreditar no próximo ano. Não vivemos 2019, fomos vividos por ele. 

Nem é 31 de dezembro de 2019, é 2.190 de dezembro de 2013.   

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