André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia
Descrição de chapéu juros Selic Banco Central

A Selic já pode cair

Faria Lima já aceitou a queda antecipada dos juros; o jogo virou

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A taxa Selic iniciou sua ascensão no início de 2021, saindo de 2% e chegando aos atuais 13,75%. A variação de 11,75 pontos percentuais e a manutenção da taxa nesse patamar deveriam resfriar a atividade preventivamente, impedindo que a reabertura da economia descambasse numa espiral inflacionária. Não funcionou a contento. O teto da meta foi violado em 2021 e 2022, e o discurso do Copom previa manter a taxa nesse patamar até o fim de 2023.

Lula questionou a viabilidade de uma meta de inflação menor para 2023 e 2024, a qual reforça a postura extremamente restritiva da política monetária. A Selic muito alta asfixia as empresas, inibindo a geração de empregos. Foi acusado de ser populista.

Até há pouco tempo, o maior risco à estabilidade, na visão farialimer de mundo, era exclusivamente fiscal. Isso permitia entrincheirar a postura de cobrar do governo indicações de responsabilidade fiscal. A reoneração dos tributos sobre os combustíveis deu algum alívio, e a pressão já se deslocava para a definição do novo marco fiscal.

Sede do Banco Central, em Brasília - Adriano Machado/Reuters

Foi aí que um novo risco tomou conta da cena. Gestores de ativos e consultorias começaram a expressar preocupação com a meta irrealista de inflação em 2023 e 2024 e com o nível da taxa de juros definida pelo BC (Banco Central). O motivo da mudança: a possibilidade de ocorrência de um credit crunch (dito em inglês, para não reconhecer que Lula tinha razão).

A restrição de crédito já aparece no mercado de dívida privada, segundo dados da Anbima. A fraude contábil no caso Americanas dissemina desconfiança no mercado de crédito, encarecendo ainda mais o financiamento empresarial.

A realidade que antes ameaçava apenas os trabalhadores bateu às portas das empresas. Em recente artigo publicado pelo BIS, Claudio Borio e coautores sugerem que a elevação da taxa de juros em contexto de elevado endividamento pode gerar "dominância financeira". O encarecimento agudo do crédito agrava a fragilidade financeira da economia. As empresas precisam gastar cada vez mais recursos para honrar suas despesas financeiras.

Nessa situação, o estopim que converte a fragilidade em crise pode ser um choque adverso —por exemplo, uma desvalorização abrupta da taxa de câmbio causada por eventos externos.

Como uma crise financeira assusta muito mais do que inflação acima da meta, o BC se vê obrigado a reduzir a taxa de juros e acionar outros instrumentos para conter pressões inflacionárias. Traduzindo: a Selic vai ter de cair na marra. Vejamos.

A política monetária é um jogo estratégico de expectativas e de poder. Os dados indicam que as expectativas da Faria Lima afetam a reação do BC e vice-versa. Além disso, a Selic tem forte correlação com o custo médio da emissão de dívida pública pelo Tesouro Nacional.

A partir do fim de 2020, quando a Selic estava em 2% ao ano, o mercado elevou o custo da dívida pública no mercado aberto, indicando que o BC estava "atrás da curva". Para resgatar sua credibilidade perante o mercado, o Copom correu atrás, subiu a Selic e a manteve lá até convencer o mercado de sua aversão à inflação. O mercado chamou o BC para o seu "devido lugar".

Agora o BC deve retribuir o favor. O custo da preservação de sua credibilidade nos levou endogenamente às portas dessa dominância financeira. A Faria Lima já aceitou a queda antecipada da Selic e aceita qualquer narrativa crível de sustentabilidade fiscal.

O governo tem na mão a capacidade de arbitrar o tamanho da queda da taxa de juros, ganhando espaço fiscal sem gerar temores nos desconfiados, pelo menos até a discussão do Orçamento de 2024, em agosto.

O jogo virou. É hora de aproveitar a oportunidade.

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