André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia

Desemprego de jovens e o acordo UE-Mercosul

Tratado entre blocos tem o gosto de vinho velho em garrafa velha

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A industrialização sustentou o crescimento da produtividade na Europa e nos Estados Unidos desde o século 19 e foi a rota pela qual Japão, Coreia do Sul e Taiwan conseguiram se desenvolver. Contudo, o avanço do setor de serviços tem gerado a perda de empregos industriais, suscitando temores quanto à escassez de bons empregos que remunerem o investimento educacional dos jovens que entram no mercado de trabalho.

As preocupações recentes com a desaceleração chinesa destacam o elevado desemprego de 21% entre jovens no país. No Brasil, o desemprego de pessoas entre 18 e 24 anos é de 18% (Pnad/mai.23); e mais: relatório do Ipea (set.22) observa uma queda sustentada na renda adicional (prêmio salarial) que um diploma universitário oferece no Brasil. A causa foi apontada por boletim do Dieese (setembro/22): a maior parte dos empregos gerados no Brasil requer baixa escolaridade.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen - Yves Herman - 17.jul.2023/Reuters

O descompasso entre a oferta de mão de obra qualificada e a geração empregos complexos combina aspectos microeconômicos —como a incompatibilidade entre cursos de formação e a distribuição regional de vagas de emprego— e questões de ordem macroeconômica, como a estagnação econômica da agenda Temer-Bolsonaro e a desindustrialização acelerada da economia brasileira.

Gerar empregos de qualidade requer uma política ativa de Estado. No pós-Covid, resiliência econômica, inclusão produtiva e segurança nacional tornaram-se diretrizes centrais da política de desenvolvimento em vários países, ancoradas pela missão de reverter a emergência climática planetária. O Chips Act nos EUA e o "Made in China 2050" ilustram bem o momento neomercantilista da economia global.

Esse novo espírito do tempo (Zeitgeist) é dominado por políticas fiscais e monetárias não ortodoxas, políticas deliberadas de inovação tecnológica e reindustrialização, pressões regulatórias seletivas (big techs, meio ambiente etc.) e guerra comercial entre economias rivais. O jogo mudou; o debate público brasileiro, não.

Em meio às tensões geopolíticas, o Brasil (ou qualquer país emergente) não deve assumir compromisso exclusivo com um polo específico, principalmente se isso nos prender a um paradigma superado.

Nesse sentido, o acordo entre UE (União Europeia) e Mercosul tem o gosto de vinho velho em garrafa velha. Consulta à plataforma DataViva (Cedeplar/UFMG) revela que 65% da pauta de exportações brasileiras à UE são alimentos e minérios (com preço médio de US$ 0,64), enquanto 70% das importações vindas da UE são máquinas, produtos químicos, veículos e autopeças (com preço médio de US$ 3,10).

Estudo de Thiago Martinez (Ipea) mostra que o acordo de livre-comércio entre os blocos acentuará a assimetria nas relações comerciais. O maior acesso aos mercados europeus para nossas commodities e o barateamento de insumos e bens de consumo serão compensados com o avanço da desindustrialização do Mercosul.

Para o Brasil, as estimativas mais otimistas de elevação do PIB (entre 0,4% e 0,45%, após 20 anos de vigência do acordo) desconsideram efeitos de longo prazo sobre a capacidade de inovação e custos de ajuste no mercado de trabalho.

O acordo tende a especializar a economia em setores menos propensos à inovação, bem como gerar perdas salariais e de bem-estar. Como os setores mais beneficiados (agro e extrativo) geram poucos empregos, espera-se maior precarização do trabalho nos serviços de baixa qualificação.

Outra limitação do acordo com a UE diz respeito às regras de proteção à propriedade intelectual e ao acesso a compras públicas, medidas que podem limitar a adoção de políticas industriais que elevem a sofisticação produtiva do Mercosul, beneficiando pequenas e médias empresas no Brasil.

Um Mercosul soberano é condição essencial para a geração de empregos de qualidade. A juventude latino-americana merece nossa ousadia neste momento.

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