André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia

Ricos emprestam a juros para o Estado o dinheiro que não pagaram em tributos

Enfraquecer a plutocracia brasileira requer ampliar a tributação dos rendimentos do capital

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O Brasil é um dos países mais desiguais do planeta. O poder econômico se converte em poder político para blindar a riqueza hiperconcentrada. A influência dos ricos sobre a política econômica busca proteger o valor real de seu patrimônio, enquanto a interferência sobre o processo legislativo visa a isenções tributárias e ao alívio da regulação estatal.

A resistência à reforma dos tributos indiretos (sobre consumo) revela bem a força desses grupos de interesse, os quais impõem regimes especiais que isentem seus negócios da mordida do fisco.

Mas é na tributação direta da renda e da riqueza que a temperatura sobe. Equilíbrio fiscal com maior justiça tributária exige "colocar o rico no Imposto de Renda". Mexer nesse vespeiro aguça os mais selvagens instintos de autoproteção da turma endinheirada.

Ao ameaçar eliminar a isenção dos fundos de investimentos exclusivos, Fernando Haddad desnuda o pilar essencial de uma plutocracia, a saber: os ricos emprestam a juros para o Estado o dinheiro que não pagaram em tributos. Parece exagero, mas não é.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Gabriela Biló - 31.jul.2023/Folhapress

A Receita Federal divulga anualmente os Grandes Números do Imposto da Renda Pessoa Física (IRPF): uma radiografia do topo da distribuição de renda no Brasil. Recente reportagem de Idiana Tomazelli na Folha mostrou que o acúmulo de lucros e dividendos declarados bateu R$ 555,7 bilhões, um crescimento de 44,6% entre 2020 e 2021. Deste total, R$ 411 bilhões ficaram nas mãos do 1% mais rico, e R$ 117 bilhões, com o 0,01% no topo. Essa fonte de renda representa 36% do total de rendimentos isentos de IRPF em 2021.

O aumento incomum não foi fruto de um surto de lucratividade das empresas, mas uma reação evasiva à retomada da tributação de lucros e dividendos distribuídos à pessoa física, com alíquota prevista de 15%.

Além de não poupar a saúde do trabalhador nem o meio ambiente, a ganância patológica do velho extrativismo investe também contra nossas empresas. Caso exemplar desse movimento foi a Petrobras distribuir mais dividendos que todas as empresas juntas em 2022.

Felizmente, para os super-ricos que adoram uma "inconsistência contábil", a proposta de Guedes morreu antes de chegar à praia. Em tempo: o medo do comunismo deve ter motivado o aumento de 34%, entre 2020 e 2021, nas heranças e doações —R$ 148 bilhões, também isentas de IRPF.

As rendas não tributáveis e aquelas sujeitas à tributação exclusiva representam 95% dos rendimentos do 0,01% mais rico do Brasil. A renda anual dessas 2.342 pessoas varia de R$ 20 milhões a R$ 22 bilhões. Sim, bilhões! O patrimônio declarado desse grupo soma R$ 2,33 trilhões (você não leu errado). Esse valor representa 62% da riqueza do 0,1% mais rico e 40% do total detido pelo 1% no topo. Como nem todo patrimônio tem valor de mercado atualizado, esses dados estão provavelmente subestimados. Traduzindo: a concentração de riqueza entre os ricos no Brasil é obscena: uma verdadeira plutocracia!

A dissertação de mestrado de Jonathan Vieira Lopes (Unifesp) analisou a progressividade do Imposto de Renda sobre rendimentos do trabalho e do capital. Os mais ricos (R$ 4 milhões por ano) pagaram, em 2020, alíquota média de 2% sobre as rendas do trabalho, ante 10,6% de quem ganha entre R$ 250 mil e R$ 370 mil por ano.

No caso dos rendimentos de capital, os mais ricos pagaram mais impostos, mas com uma alíquota efetiva muito baixa (1,98% em 2020); já o fisco arrecadou R$ 31 bilhões de um total de R$ 3,3 trilhões desse tipo de rendimento.

Enfraquecer a plutocracia brasileira requer ampliar a tributação dos rendimentos do capital. O fim da isenção de lucros e dividendos é o primeiro passo para ter maior justiça tributária e proteger a nossa democracia.

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