André Roncaglia

Professor da Unifesp, pesquisador associado do Ibre-FGV e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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Neoindustrialização e o mercado interno

Parte do Nova Indústria Brasil terá papel central na articulação entre agências estatais e com o setor privado na execução das compras governamentais

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O sucesso de uma política de desenvolvimento reside na capacidade do Estado em desenhar instrumentos e entregar resultados.

Em texto recente, Mariana Mazzucato e Rainer Kattel destacaram que uma agenda transformadora exige repensar processos e ferramentas da política pública, a saber: o investimento nas capacidades organizacionais das agências públicas. Dentre estas capacidades estão as compras públicas.

O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) vem desenvolvendo, desde final de 2023, a "Estratégia Nacional de Contratações Públicas" (ENCP), que busca tornar as compras públicas mais inovadoras, sustentáveis e inclusivas, além de promover maior alinhamento desta com outras políticas, como a nova Lei de Licitações, o Marco Legal das Startups, Diálogo Competitivo, Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), Encomendas Tecnológicas, dentre outras.

A ministra da Gestão, Esther Dweck, no palácio do Planalto - Pedro Ladeira -18.mar.24/Folhapress

Na semana passada, a ministra Esther Dweck (MGI) inaugurou os trabalhos da Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (CICS).

Parte do programa Nova Indústria Brasil, a CICS terá papel central na articulação entre agências estatais e com o setor privado na execução das compras governamentais, além de alinhar as diferentes políticas públicas e melhorar a qualidade da contratação pública.

O primeiro instrumento a ser adotado é a aplicação de margens de preferência nas compras governamentais para o setor de ônibus e equipamentos metroviários. Há outros segmentos em análise, como o farmacêutico, que podem ser incorporados em fases posteriores.

As empresas fornecedoras do Estado brasileiro poderão optar entre os benefícios a "produtos ou serviços nacionais" (com margem de até 10% sobre o melhor preço do produto ou serviço importado) ou de "produtos reciclados, recicláveis ou biodegradáveis" (margem de até 10% sobre o melhor preço de um produto que não se enquadre nessa categoria).

Adicionalmente, quando demonstrarem esforço de desenvolvimento e inovação tecnológica no país, os fornecedores de bens manufaturados e prestadores de serviços poderão adicionar uma margem de 10%, podendo chegar a 20%.

Segundo estudo do IPEA (2022), a eficácia das margens de preferência depende do horizonte de aplicação. Prazos curtos tendem a adquirir estoques de bens previamente acumulados e com baixo teor inovativo. Já margens aplicáveis por longos períodos, "podem estimular investimentos em ampliação de capacidade e, no caso de bens com tecnologia desenvolvida domesticamente, podem até mesmo estimular o surgimento de novos atores". Ademais, sinalizar a vinculação de margens a inovações de produtos específicos, bem como indicar redução progressiva das margens, pode induzir o aumento da eficiência.

Em linha com os padrões de sustentabilidade voluntária estabelecidos pelas Nações Unidas, as margens de preferência agregam a sustentabilidade a dois princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, a saber: a inovação tecnológica (art. 218) e o incentivo ao mercado interno —definido como "patrimônio nacional" (art. 219).

Diferente do "Buy American Act" nos EUA —com aplicação setorial indiscriminada e sem foco em inovação— a iniciativa do MGI é mais restrita, ampliando gradativamente o benefício a setores estratégicos para a neoindustrialização, após análise de viabilidade técnica. Em face das restrições fiscais, transparência e comedimento podem angariar legitimidade social às políticas de desenvolvimento.

As margens de preferência reforçam o poder das compras públicas como estruturador de atividades sofisticadas e verdes em território nacional. É mais um passo correto rumo à neoindustrialização.

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