André Roncaglia

Professor da Unifesp, pesquisador associado do Ibre-FGV e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia

Sobre memes e justiça tributária

Ao tachar Haddad de 'Taxad', os ricos passam recibo do receio de perder mais desonerações injustas

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Nesta semana, as redes antissociais foram inundadas com memes de Fernando Haddad e sua suposta insaciabilidade tributária. Taxad foi o apelido criado para difamar o Ministro da Fazenda.

Isso não é novidade na carreira de Haddad. Quando era prefeito de São Paulo, a onda era chamá-lo de "Radard", por ter apertado a fiscalização do trânsito selvagem de São Paulo. Um levantamento de 2015 mostrou que menos de 5% dos carros cometeram mais da metade das infrações multadas. A este grupo não interessava ter uma cidade mais segura para pedestres e motoristas.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião em Brasília
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião em Brasília - Andressa Anholete - 3.jul.24/Reuters

Novamente, a campanha caluniosa tenta contaminar a população com insatisfações sentidas por grupos específicos. A agenda de justiça tributária de Haddad sofre ataque da extrema direita, que usa a tática de seu ideólogo, Steve Bannon, de "inundar a zona" (flood the zone) com desinformação. Basta observar a evolução da carga tributária nos últimos anos. Ajudado pela grande inflação pós-pandemia, pela depreciação cambial e pelas receitas polpudas do setor mineral, Paulo Guedes deixou um pico recente de 33,1% de carga tributária. No primeiro ano de Haddad, a carga caiu para 32,4%.

Vale lembrar também que Guedes elevou o imposto sobre cilindro de oxigênio três semanas antes do colapso do sistema de saúde no Amazonas, que causou uma tragédia humanitária no estado; além disso, propôs uma contribuição sobre bens e serviços (CBS) de 12%. A reforma tributária proposta por Haddad terá alíquota de CBS próxima de 8%. Governo Bolsonaro tentou elevar a carga sobre os mais pobres, mas não gerou nenhum meme. Por que será?

Em um post de 2017 no blog do IBRE, meu colega Nelson Barbosa destacou a "amnésia seletiva" de economistas liberais e da imprensa na crítica a ajustes fiscais pelo lado de receita. Grande elevação da carga tributária ocorreu tanto no governo militar —de 16% do PIB em 1963 para 26%, em 1970— quanto no de FHC —de 26% em 1995 para 32% em 2002.

A resposta está na arrecadação sobre rendimentos do capital, que aumentou 21,6% em 2023. Se considerarmos o período janeiro a maio de 2024, esta receita cresceu 25% sobre o mesmo período de 2023. A tributação da renda dos residentes no exterior também subiu 11% em 2023, e 12,4% em 2024.

Apenas neste ano, a tributação dos fundos exclusivos gerou R$ 12,3 bilhões e a dos fundos offshore, R$ 7,23 bilhões.

Fica evidente que o meme "Taxad" é um protesto das oligarquias brasileiras contra a correção de distorções históricas na tributação da renda dos mais ricos. Esta cloroquina contra a injustiça tributária é uma reação preventiva ao avanço da reforma tributária sobre a renda e o patrimônio. A soma envolvida explica o investimento no anúncio em telão na Times Square em Nova York.

Diferente do teto Temer de gastos, que focava o ajuste fiscal exclusivamente no corte de gastos e era leniente com a receita, o novo arcabouço fiscal distribui o ônus do ajuste entre o crescimento da receita e do PIB, moderação no crescimento dos gastos e queda da taxa de juros (pelo BC). Como qualquer outra regra fiscal, ele tem inconsistências que precisam ser corrigidas com reformas adicionais.

Ao tachar Haddad de Taxad os ricos passam recibo do receio de perder mais desonerações injustas. É hora de cortar na própria carne.

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