André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia
Descrição de chapéu Governo Lula

É imperativo relembrar o golpe de 1964

Memória é vacina antigolpe para reforçar a imunidade democrática

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O golpe militar-empresarial de 1964 no Brasil completou 60 anos em 31 de março de 2024. Por ser um dos eventos mais significativos da história brasileira, ele precisa ser lembrado, debatido e esmiuçado, sob pena de o vermos repetido.

A instauração do regime militar no Brasil foi o ápice de uma série de tensões políticas, econômicas e sociais que se acumulavam no país. O governo de João Goulart (Jango) foi um período particularmente turbulento, marcado por intensas disputas ideológicas e uma crise econômica que só fez agravar a instabilidade.

Em contexto de crescente polarização política, Jango promovia suas reformas de base, que visavam ajustar as instituições à modernização econômica deflagrada na década anterior, com Vargas e Kubitschek. As reformas agrária, educacional, bancária, urbana e tributária almejavam reduzir as desigualdades socioeconômicas e, portanto, desafiavam as estruturas de poder.

O conflito social se agravou com a abrupta desaceleração da economia em 1963 (0,6% frente a 6,6%, em 1962), combinada com o descontrole das contas públicas e a aceleração da inflação a 80% no ano. A instabilidade inibia o investimento, enquanto a inflação corroía o poder de compra da população e gerava insatisfação de alguns grupos com o governo, que ainda tinha 70% de aprovação.

A combinação desses fatores mobilizou a oposição contra Jango e criou um terreno fértil para a erupção do golpismo, que já assediava nossa jovem democracia desde 1954. O apoio internacional foi assegurado pela lei que limitava remessa de lucros das empresas estrangeiras ao exterior. A tempestade perfeita estava formada.

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Soldados perto do palanque onde discursou João Goulart, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro - C. Bosco - 13.mar.64/Acervo UH/Folhapress

O golpe de 1964 foi mais um episódio em que o desejo legítimo de promover a justiça social e a modernização do país desafiou a rígida estrutura social e provocou uma reação violenta.

Estancieiro de origem e parte da elite pecuarista gaúcha, Jango era retratado pela imprensa como facilitador de uma "conspiração comunista". Essa narrativa disseminou o medo na população e foi habilmente explorada pelos setores conservadores e pelas Forças Armadas para justificar a intentona antidemocrática.

A semelhança com a retórica bolsonarista atual não é mera coincidência; é flagrante reincidência.

Vejamos.

Em 2014, cinco décadas depois do levante de abril, iniciava-se outro golpe contra a democracia, quando o candidato derrotado, Aécio Neves, questionou o resultado das eleições presidenciais. Como em 1964, os erros do governo exacerbaram a crise econômica e inflamaram as tensões políticas, criando um ambiente de medo e incerteza que facilitou a mobilização contra o governo de Dilma Rousseff.

Atualizado para o século 21, o golpe dessa vez germinou a partir de dentro do governo, com o auxílio luxuoso do então vice-presidente e apoio empolgado da imprensa. Fruto de "um grande acordo nacional... com Supremo, com tudo", não foi preciso qualquer ruptura da ordem constitucional.

Como em 1964, as rápidas e frágeis mudanças sociais promovidas por um governo progressista contestaram o elitismo histórico-cultural, para usar a expressão de César Calejon, no livro "Esfarrapados".

Acuadas, nossas oligarquias desataram as forças incontroláveis do reacionarismo da extrema direita –turbinadas pelas redes sociais–, levando Bolsonaro ao poder com a retórica negacionista da ciência e apologista da ditadura e da tortura. Escapamos da celebração oficial dos 60 anos do golpe e da sua reedição pelas mãos de Bolsonaro. Foi por pouco... e por ora.

Relembrar e repudiar o golpe de 1964 previnem contra a epidemia de negacionismo histórico que confere viabilidade eleitoral à extrema direita. É vacina antigolpe para reforçar a imunidade democrática.

Nas palavras de Ulysses Guimarães, ao promulgar a Constituição de 1988: "Temos ódio à ditadura... ódio e nojo!"

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