Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Primeiro embaixador nos EUA, Nabuco nunca fritou hambúrguer

Faltam a Eduardo Bolsonaro não só as primaveras e o bigode, mas os atributos intelectuais do político

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Ao contrário do novo pretendente ao cargo, o primeiro embaixador do Brasil em Washington nunca fritou hambúrguer. Tampouco apreciava frango frito de fast food. Joaquim Nabuco preferiria a “slow food”. E não só por sua veia gourmet, hábil em distinguir temperos e taninos, mas por atinar com o espírito da atividade diplomática.

O ofício exige dialogar com gente bem preparada, atrair simpatias e neutralizar contrários. Tudo via argumentação —terreno no qual Eduardo é noviço—, já que a diplomacia é o avesso da guerra —a que pai e filhos se dedicam diuturnamente. É trunfo dominar a arte da conversação, no que ajuda carisma e erudição, domínio de idiomas e etiquetas nem se fala.

Ao revés do 03, Nabuco atendia à abundância os requisitos quando inaugurou nossa embaixada entre os ianques.

Foi em 1905. O Brasil tinha lá ministro plenipotenciário, posição um degrau abaixo de embaixador, mas a mudança aprofundava relações com o país que era à época o equivalente à China de hoje (a maior potência era a Inglaterra): manancial de oportunidades de influência e negócios. Para aproveitá-las, o embaixador precisava, como agora, de mais credenciais que o nome de família.

Nabuco as tinha: membro destacado da política nacional, liderara um bloco parlamentar por reformas, tinha trânsito entre elites cultural e econômica e farta rede de contatos internacionais. Escrevera na imprensa, publicara livros que se tornaram clássicos e fundara a Academia Brasileira de Letras com Machado de Assis —suas amizades não incluíam nenhum Queiroz.

Em contraste com a inexperiência de Eduardo, Joaquim servira como adido nos Estados Unidos e ocupava o primeiro posto brasileiro na Inglaterra. Tinha 56 anos, velhice naquele tempo. O 03 tem 35, limite da juventude neste século, por isso a legislação manda transpô-lo antes de ocupar cargo tão relevante. Faltam a Eduardo não apenas as primaveras e o bigode, mas os atributos intelectuais de Nabuco.

Carece também do desprendimento para representar o país, em vez de vocalizar a facção olavocarvalhista do bolsonarismo. Pode-se argumentar que, como todos têm partido, melhor escancará-lo, no que a família presidencial é hors concours.

Contudo, os bons representantes no estrangeiro —e em terra pátria— são os que, como Nabuco, têm a grandeza de colocar o interesse nacional acima de relações pessoais e partidárias. São esses os que figuram como estadistas nos livros escolares —ao menos enquanto o ministro da Educação não os reescrever. 

Nabuco foi um embaixador exemplar, firmou acordos de cooperação econômica e política, difundiu a cultura nacional e logrou influência significativa. Graças a sua habilidade de tecer relações e a sua ascendência junto ao secretário de Estado e ao presidente norte-americanos, compôs o grupo de formuladores do que viria a ser a Organização dos Estados Americanos. Logrou-o por suas competências, não por portar genes presidenciais.

Mas Joaquim Nabuco só pôde ser embaixador por largueza de vista de dois presidentes que, ao avesso de Bolsonaro, que elege sangue do seu sangue, colheram o talento na família política alheia.

Um foi Manuel de Campos Sales. Assumiu nem bem o país acalmara de uma guerra civil. Nela, os insurretos contaram com o apoio civil do Partido Monarquista, do qual Nabuco era membro entusiasmado. Nem por isso o governo republicano deixou de indicá-lo para o serviço diplomático. 

Quem pôs Nabuco de embaixador em Washington foi outro adversário, Francisco de Paula Rodrigues Alves, indiferente ao fato de terem atuado em partidos opostos durante o Império.

Nos dois casos, reconheceu-se o preparo acima do partidarismo. Decisões de visão, pois o indicado era notório crítico do regime republicano. É como se Bolsonaro desse cargo a um grão-petista. Nabuco hoje não serviria nem para porteiro do Planalto, pois nascido em Pernambuco, era autêntico “paraíba”.

Nem Bolsonaro é Campos Sales ou Rodrigues Alves nem Eduardo é Joaquim. Dois liberais, mas é semelhança de superfície. Os bolsonaristas taxariam Nabuco de “comunista”, pois ele defendeu direitos civis e políticos, justiça social e livre expressão de ideias, crenças e estilos de vida —sem exclusão dos que o repugnavam, como os consumidores de fast food.

Para o país, seria ganho inestimável se o 03 refletisse antes de topar a empreitada. Nabuco o fez. Em 20 de maio de 1905, escreveu à esposa: “Estou com medo de ter feito uma grande tolice aceitando este posto, uma grandíssima tolice.” Enganava-se: desempenhou-o à maestria. Agora, ao contrário, não há engano.

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