Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

A novela da política

As gentes confinadas assistem aos lances dramáticos da CPI

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Escassas as novelas inéditas, a audiência migrou em enxame para o drama do Congresso Nacional. Os atores envergam máscaras que dizem muito de si, como a azul-apertada e a bamba-lívida do ex-ministro das Relações Exteriores e do ex-secretário da Comunicação. Barreiras translúcidas separam protagonistas e figurantes nesta lavagem de roupa suja da tragédia nacional.

Enquanto o presidente exerce seu papel preferido, o de motoqueiro, as gentes confinadas assistem aos lances dramáticos da CPI. Como nas grandes novelas, há revelações, reviravoltas e expectativa pelos próximos capítulos. Teve comoção e até desmaio. Além do bom enredo, os personagens são variados, cheios de vícios públicos e virtudes privadas —e vice-versa.

As limitações que a distância e a cobertura de metade do rosto impõem não melaram as performances dos depoentes. Pode-se expressar muito com gestos, entonações, “ãhs” e “ais”. Um esqueceu a fala, mas o outro decorou a sua de fio a pavio, pois o diretor manda, o ator obedece.

No núcleo dos interrogadores a novela entrega seu melhor. Aí só há atores experimentados. Renan Calheiros, um Tarcísio Meira do ofício e vilão em CPIs passadas, atua agora de justiceiro. Mostrou tino cênico, pondo tabuleta com número de mortos no lugar do nome. Assim encarnou o luto e a ira de todos os que padecem o circo de horrores do governo.

Atores pouco conhecidos cresceram sob as câmeras. Otto Alencar desempenha, claro e preciso, o papel de desmontador-geral da pseudociência cloroquinista. Já o presidente da CPI, pausado e sereno, pontua erros de continuidade dos depoentes e os aconselha a mirar o maior dos públicos, a posteridade. Seu equilíbrio sob pressão mantém a novela dentro do roteiro.

Atrizes estreladas se destacam até em pontas. Falando pelas senadoras (que se revezam desde a atuação coletiva em que somaram talentos para se fazer escalar), Kátia Abreu roubou a cena. Suas unhas vermelhas materializaram o sangue que fugiu da cara do contracenante, por ela apelidado de “ernestominion”. O público entrou em desvairio de memes. Num deles, a senadora ganhou o Oscar.

Já a trupe presidencial decepciona até seu cada vez mais reduzido fã-clube. Nenhum monólogo de monta, nenhuma grandiloquência. Esbanjam amadorismo canhestro a cada cena. O figurino oscilante entre playboy motoqueiro e boiadeiro de chapelão não fez de Bolsonaro um ator de quilate e seus coadjuvantes são ainda menos dotados. Veja-se o filho enfaixado, o que se feriu na praia, enquanto a maioria dos brasileiros visita hospitais e cemitérios. Chamado às pressas para salvar a cena e a pátria, improvisou com o pouco que sabe: o xingamento.

O “vagabundo” de Flávio a Renan é a verbalização do repertório violento do bolsonarismo. Mas, dada a verve escassa, preferem o corpo a corpo. Diego Garcia o fez noutra novela, ainda com menos audiência, mas que promete, a da comissão da Câmara dos Deputados incumbida de discutir a liberação da maconha para fins terapêuticos. Derrotado no voto, o governista partiu para cima. Num lance de novela mexicana, empurrou o presidente da mesa e um laptop. Paulo Teixeira, ator experiente, não saiu do papel. Já o capitão Nascimento de segunda foi tirado dos holofotes.

As duas novelas, a da Câmara e a do Senado, mostram que a política não é para amadores (o que o global Luciano Huck parece que por fim percebeu). É para atores profissionais. Os figurantes que, por acidente, ganharam papeis de destaque, não vem fazendo mais que papelão.

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