Na CPI, Pazuello distorce motivo de apagão de dados e erra sobre máscaras e isolamento; veja checagem

Ex-ministro da Saúde retomou depoimento na comissão nesta quinta (20)

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Marcela Duarte Maurício Moraes Nathália Afonso
Agência Lupa

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello continuou a dar respostas evasivas sobre a sua atuação durante a pandemia no segundo dia de depoimento à CPI da Covid no Senado, nesta quinta-feira (20).

Ele foi novamente questionado sobre a demora na compra de vacinas e a falta de oxigênio em Manaus. Também falou sobre seu posicionamento em relação ao uso de hidroxicloroquina, que disse desaprovar, e defendeu medidas de isolamento social e uso de máscaras –apesar de não ter lançado uma campanha nacional em defesa dessas medidas.

A Lupa checou algumas das principais afirmações feitas por Pazuello nesse segundo dia de depoimento. A reportagem contatou o Exército, mas não obteve respostas sobre as checagens até a publicação.

Veja a seguir a checagem.

Então, o objetivo final daquilo [tirar o site de transparência da Covid-19] é muito nobre: é chegar aonde nós chegamos hoje, era sair de um modelo e ir para outro modelo [de site]

Eduardo Pazuello

Em depoimento na CPI

FALSO

Ao contrário do que afirma Pazuello, o próprio Ministério da Saúde divulgou nota, publicada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em sua conta no Twitter, dizendo que iria reduzir quais dados seriam disponibilizados pelo portal de transparência de dados da pandemia. Na época, o governo informou que deixaria de publicar números acumulados e passaria a exibir somente óbitos por data de ocorrência, uma forma de reduzir artificialmente a curva de mortes. O governo foi obrigado a voltar atrás dessas medidas por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal).

Em junho de 2020, o Ministério da Saúde suspendeu por quatro dias a divulgação dos dados consolidados que indicavam os números de casos confirmados de Covid-19 e óbitos pela doença. Isso aconteceu entre os dias 5 e 8 de junho, uma sexta e uma segunda-feira, respectivamente. No dia 9, o site voltou ao ar por determinação do STF.

Em um primeiro momento, no dia 5, o site saiu completamente do ar. No dia seguinte, o portal voltou ao ar, mas exibindo apenas as notificações das últimas 24 horas. No mesmo dia, Bolsonaro reproduziu uma nota oficial do Ministério da Saúde, na época comandado por Pazuello, dizendo que o ministério tinha “adequado divulgação dos dados sobre casos e mortes relacionados ao Covid-19”. A nota dizia ainda que “ao acumular dados, além de não indicar que a maior parcela já não está com a doença, não retratam o momento do país”.

No dia 8, o secretário-executivo da pasta, Élcio Franco, disse que os números de óbitos passariam a ser classificados por data de ocorrência, e não por data de registro. Essa é uma forma de reduzir artificialmente o número de mortes diárias. Como a ampla maioria das mortes por Covid-19 tem sua causa confirmada somente dias após a ocorrência, isso faz com que a curva de mortes se reduza artificialmente.

Rede, PSOL e PC do B entraram com a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 690 no STF pedindo, entre outras coisas, que os dados fossem colocados de volta no ar. No dia 8, o ministro Alexandre de Moraes determinou, em caráter liminar, que o site fosse colocado no ar novamente e estabeleceu quais informações deveriam ser fornecidas pelo governo —incluindo o número de mortes e casos acumulados e o número de óbitos registrados no dia.

Atualmente, o Ministério da Saúde disponibiliza os dados consolidados da pandemia em seu site. Até quarta-feira (19), o Brasil teve mais de 441 mil mortes por Covid-19 e 15 milhões de casos confirmados da doença. Após o episódio do sumiço dos números, um consórcio de veículos de imprensa se reuniram para divulgar os dados sobre o novo coronavírus.

Nós não mandamos fechar nenhum hospital [sobre o hospital de campanha de Águas Lindas, Goiás]

Eduardo Pazuello

Em depoimento na CPI

FALSO

Em 22 outubro de 2020, o Hospital de Campanha de Águas Lindas, em Goiás, foi desativado a pedido do governo federal. Inaugurada em 5 de junho, a unidade era gerenciada pelo governo estadual, mas foi custeada pela União, com previsão de funcionamento até 22 de setembro.

No mês que o contrato seria encerrado, o governo goiano solicitou ao Ministério da Saúde para que prorrogasse o funcionamento da estrutura, até 30 de dezembro. Contudo, o pedido foi negado, e o ministério determinou que a estrutura ficasse aberta por apenas um mês a mais. A estrutura havia sido inaugurada com a presença do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do governador Ronaldo Caiado (DEM).

“Logo no início do mês de setembro daquele ano (...) esta pasta, apresentando estudo técnico ao Ministério da Saúde, solicitou a manutenção do Hospital de Campanha com a consequente prorrogação do acordo até 30.12.2020, sem prejuízo de posterior prorrogação, caso seja necessário ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus”, diz ofício enviado pela Secretaria de Saúde de Goiás ao Ministério Público Federal (página 3).

Contudo, parecer técnico da Coordenação-Geral de Atenção Hospitalar e Domiciliar do Ministério da Saúde determinou o indeferimento do pedido, e a prorrogação foi de apenas 30 dias. No dia 22 de outubro, o equipamento foi fechado.

O governo federal arcou com a construção, de cerca de R$ 10 milhões, o aluguel e a manutenção da estrutura física. Já a Secretaria de Saúde foi a responsável por organizar a operação da unidade, o fornecimento de insumos como medicamentos e equipamentos de proteção, além dos aparelhos médicos necessários.

Em março deste ano, após o aumento no número de casos de Covid-19, a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado de Goiás entraram com uma ação pedindo para que o Hospital de Campanha de Águas Lindas fosse reativado.

O Ministério da Saúde informou que iria se pronunciar "a respeito de toda e qualquer demanda jurídica em tempo oportuno". Já a secretaria afirmou que a decisão de fechar a unidade foi do governo federal e que solicitou duas vezes, na época do fechamento, a prorrogação do funcionamento do hospital, mas os pedidos foram negados. No entanto, em março, a secretaria afirmou que não teria mais interesse em reativar a unidade.

Com relação ao uso de máscaras, nós tivemos vaivém do uso de máscaras durante o ano todo. Da própria OMS

Eduardo Pazuello

Em depoimento na CPI

FALSO

A OMS mudou sua orientação sobre o uso de máscaras contra a Covid-19 uma única vez, em 5 de junho de 2020, quando afirmou que elas deveriam ser usadas pelo público em geral em áreas com transmissão comunitária.

“A OMS encoraja os governos a incentivarem o público em geral a usar máscaras onde há transmissão generalizada e o distanciamento físico é difícil, como no transporte público, no comércio ou em outros ambientes confinados ou lotados”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Na ocasião, Ghebreyesus também orientou que as máscaras de tecido deveriam ter ao menos três camadas de diferentes materiais. Destacou ainda que as máscaras são benéficas como parte de uma abordagem abrangente na luta contra a Covid-19 e não substituem o distanciamento físico, higiene das mãos e outras medidas de saúde pública. “As máscaras por si só não o protegerão do Covid-19”, disse.

Até junho de 2020, a OMS recomendava o uso de máscaras apenas para pessoas que estivessem com Covid-19 ou cuidando de alguém com a doença. Havia um temor de que a demanda por máscaras poderia causar falta do equipamento em hospitais, onde eles eram mais necessários.

Além disso, no início da pandemia, a transmissão por via aérea ainda não era bem compreendida. Apesar disso, especialistas criticaram esse posicionamento inicial da entidade, e vários órgãos nacionais passaram a recomendar máscaras antes de a OMS mudar seu entendimento —incluindo o Ministério da Saúde brasileiro, em 3 de abril, ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta.

Em dezembro de 2020, a OMS se pronunciou publicamente mais uma vez, pedindo reforço no uso da proteção. A entidade passou a recomendar máscaras na impossibilidade de se manter o distanciamento físico em ambientes fechados, mesmo que sejam bem ventilados.

​A OMS tem uma página dedicada exclusivamente ao uso de máscaras na prevenção à Covid-19, com orientações em texto e vídeo.

As medidas de isolamento não são também, da mesma forma que outros medicamentos, outras ações, também não são cientificamente comprovadas

Eduardo Pazuello

Em depoimento na CPI

FALSO

Diversos estudos mostram que as medidas de isolamento social contribuem para barrar a disseminação do novo coronavírus. Em outubro do ano passado, um estudo publicado na revista científica The Lancet analisou a situação em 131 países e observou o que ocorreu após a implementação de oito políticas durante a pandemia da Covid-19, averiguando inclusive o que acontece quando elas são canceladas.

A proibição de aglomerações, por exemplo, reduz a taxa de contágio em até 29% em um mês. Enquanto isso, a volta às aulas aumentou em 24% a probabilidade do vírus se propagar após 28 dias. Esse é considerado uns dos estudos mais completos sobre o assunto.

Coordenado pelo Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus, um artigo publicado na Science em julho do ano passado apontou que o isolamento social adotado no Brasil diminuiu a taxa de transmissão do vírus de 3 para 1,6 contaminado para cada pessoa infectada. Uma pesquisadora do estudo indica que o vírus já estava sendo disseminado no país antes das primeiras medidas de isolamento social, o que pode ter auxiliado na alta transmissão que foi observada posteriormente.

Outro estudo brasileiro sobre o assunto foi feito por um pesquisador da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Ao analisar os dados de óbitos, o professor Eduardo Lima percebeu que havia uma tendência de achatamento da curva após a decretação de medidas restritivas. “Os casos vinham em uma crescente exponencial, mas o gráfico mostra que isso desacelerou, o que é a constatação científica e aferida por números de que o isolamento é eficaz”, diz o professor.

A OMS não considera que um lockdown ou algo similar seja a forma primária de combate à pandemia. Para a entidade, as principais medidas devem ser isolar pessoas infectadas, investigar e testar com rapidez os contatos dessas pessoas e educar a população a seguir medidas de prevenção, como higiene e uso de máscaras. Contudo, a entidade reconhece que o isolamento funciona para reduzir o número de casos e é necessário, em caráter temporário, quando a pandemia sai do controle.

Edição Chico Marés

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