Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Cardápio eleitoral

Quase metade dos decisores do rumo do país ainda não escolheu o prato

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O ano político começou à beira-mar. Competem pelo paladar do eleitor o camarão inteiro com farofa, de fartos efeitos colaterais, e a iguaria marítima apreciada noutros verões, agora com acompanhamento inusitado: Lula com chuchu. São as tendências outono-inverno com chances de dominar a primavera das urnas.

Embora o segundo prato conte com quase o dobro de pedidos no ifood eleitoral, o primeiro tem ainda cerca de um quarto dos fregueses, segundo o último levantamento da Quaest. Estômagos com apetite para empurrar o quitute indigesto à mesa de doces do segundo turno.

Menos acolhida tem outros itens do cardápio. O cearense fumegante guarda apelo, mas poucos arriscam prato apimentado depois da indigestão de quatro anos. A aposta de chefes partidários para a temporada, o marreco à moda de Curitiba, não ganhou o gosto popular. Menos ainda o medalhão à Doriana, frito nos melhores fogões tucanos. Em fogo alto.

Jair Bolsonaro, Lula, Sérgio Moro, João Doria e Ciro Gomes
Jair Bolsonaro, Lula, Sérgio Moro, João Doria e Ciro Gomes - Alan Santos/PR, Divulgação, Agência Senado, Pedro Ladeira e Eduardo Knapp/Folhapress

O paranaense, o cearense e o paulista vão melhor nos estratos de renda alta, enquanto Lula recupera com folga a base da pirâmide social, inclusive um naco do que o bolsonarismo abocanhara. O mundo da necessidade, que se aguenta com até dois salários-mínimos, promete 55% de seus votos.

Em contraponto, o antipetismo segue bem nutrido no topo da sociedade. As ofertas de terceira via (Moro, Ciro, Dória) adicionadas a Bolsonaro (31%) somam a maioria (53%) dos votos dos com comida farta.

Pobres de um lado, ricos e remediados do outro não é nenhuma novidade. Mas, nos períodos eleitorais, a pobreza marcha às urnas e toma assento à mesa.

Nas campanhas e governos petistas, a desigualdade foi sempre tema. Seu êxito nas políticas sociais obrigou reposicionamentos em todo o espectro político. Nos anos Lula, apenas a direita alucinada —incluído o deputado Bolsonaro— falava contra programas redistributivas.

Mas, desde a estreia de Dilma, vicejou o discurso do empreendedorismo liberal contra o "excesso de estado" e o "bolsa-esmola". Antiredistributivismo de apelo em setores altos e médios, mas que apenas afetou o eixo do debate público quando acompanhado da corrupção.

A desigualdade foi, então, empurrada para a área de serviço, deixando o salão para a moralidade pública. A espetacularização do julgamento do Mensalão no STF e a Lava Jato não existiriam sem ampla cobertura midiática, entusiasmo de fazedores de PIB e de partido e aplauso de tribos inteiras de formadores de opinião. Foi quando se converteu a corrupção em raiz de todos os males nacionais, a ofuscar todo o resto. Deu no que deu.

Neste ano de urnas e peste, o menu não tem como excluir a desigualdade. Apenas 11% dos brasileiros, ainda segundo a Quaest, veem a corrupção como tempero que tudo azeda. Importam-se é com a bolsa (economia, desemprego) e a vida (questões sociais e saúde).

Quase metade dos decisores do rumo do país (ou da falta dele) em outubro não escolheu prato. É que o cardápio atual é de degustação. Apenas no meio do ano, sairá das cozinhas partidárias, alimentadas por alianças e pesquisa, a lista completa de candidaturas. Tende a ser enxuta.

No antepasto eleitoral, Moro, o moralizador, amarga rejeição estratosférica. Seduz apenas a exígua parte dos comensais que perde apetite mais com corruptos que com miséria. Já o presidente segue ícone dos farofeiros armados - embora maneje tão bem as armas quanto os talheres.

Nenhum dos dois alimenta a maioria, que, farta de pagar o pato, anseia por um arroz com feijão basiquinho, que não dê dor de barriga.

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